terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Carência.

A menina tem oito anos, a mãe senta ao lado da filha, em frente ao computador da casa, e mostra a ela como se conectar a Internet (discada, da época) e como entrar nos chamados bate-papos, ou chats. Sete anos se passam e a menina, agora com quinze, divide seu coração entre duas paixões, duas almas-gêmeas, uma um garoto de outro país, com quem ela se relaciona muito bem, como nunca havia se relacionado com ninguém frente a frente, e a outra um garoto de outra cidade do Brasil, que se revelou ser sua nova paixão, despertada pelo amor do garoto doente a menina, que também nunca viu frente a frente, que está a morrer em um prazo de meses, por uma doença no coração. E então essa menina-mulher chora, chora pela condição médica do seu mais novo amigo, que ao receber a pergunta "O que o médico disse?" responde somente "Não quero nem falar disso", da mesma forma que chorava meses antes, por não poder conhecer seu amor estrangeiro, chora, afinal, por estar incapacitada, pela distância entre seu coração e seu corpo.
A mulher tem 24 anos, após um assalto encomendado, a seu escritório, ela se sentindo sozinha, com seu noivo a viagem em outro continente, passa a usar a Internet como um lugar para amizades, para desabafar, pouco tempo passa e ela conhece um homem como qualquer outro em um jogo, e ao trocarem msn's para conversarem, passam cinco dias conversando sem parar. Alguns meses depois ela continua noiva, e se considera apaixonada pelo homem que conhecera virtualmente, tal que marcou várias viagens para conhecê-lo pessoalmente, mas não pôde concluir nenhuma, agora, prestes a se casar, ela ainda vislumbra conhecer sua paixão adúltera, esperando a primeira chance a tomar um avião.
O garoto tem 19 anos, nunca teve grandes amizades, tampouco grandes amores, e encontra na Internet seu refúgio para ser sincero, amigável e amoroso. Após várias "namoradas virtuais", ele decide conhecer uma pessoalmente. Marcam um encontro em um lugar público e ambos se sentem chocados em como se conhecem, mesmo que nunca tenham sido apresentados pessoalmente. O tempo passa e a relação que era impecável no mundo virtual se mostra impraticável no mundo real, onde não existe Backspace, Aparecer offline ou mesmo um sorriso sincero, que pode ser transmitido a qualquer ânimo.

Não posso dizer quais dessas estórias são verdadeiras, pois não seria ético de minha parte, tampouco não direi quais inventei. O que posso dizer é que nesse caso a verdade supera a ficção, literalmente.
Já fui preconceituoso em relação a amizades ou amores virtuais, onde os bits tomam o lugar da fala, onde a foto toma o lugar da imagem, e é por isso que não farei observações quanto a integridade desse tipo de relação, ou a possível falsidade que nela habita. O que falarei vem de uma dessas pessoas, que me disse uma vez: "A Internet é um lugar cheio de pessoas carentes". E essa pessoa está certa, pois não somente os que não se habituam com a vida social fora da Internet, também os que se habituam, todos, possuem algum nível de carência, algum nível de curiosidade, de necessidade.

Artigo dedicado à G.

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2 comentários:

Anônimo disse...

sim, sim, sim.
lembro bem do dia q falamos disso.
obrigada edu. vc é a divagação trasnformada em carinho mais autentica q eu ja conheci.

mil beijos pra vc

G.

Anitcha disse...

Nunca tinha pensado por esse lado,mas é verdade.E não para os bate-papos. O próprio msn é um forma de manter contato, sentir-se próximo a alguém.

Somos todos carentes
:B

Beijo