domingo, 26 de julho de 2009

Ensaio sobre o mundo de luz.

Existe um mundo além deste que conhecemos. Bastante similar ao nosso, porém cujas pessoas nascentes são diferentes, especiais. Diferentes dos humanos terrestres, estes se ligam fortemente em sentimentos uns aos outros, e carregam em suas falas e atitudes distintas a sabedoria e a riqueza de vidas bem vividas. Andam em passos leves, sobre seu mundo de igualdade. Não há guerras, não há miséria ou maldade. Este é o mundo da luz.

Eventualmente, porém, há um acontecimento mágico. As pessoas de luz enviam para nossa terra de tristezas e morte uma destas pessoas para ventre humano. Nascem e crescem tais enviados, tentando se adaptar ao nosso mundo. Líderes, revolucionários, pessoas brilhantes, pessoas simples, pessoas especiais.

Me recordo de uma pessoa de luz que um dia conheci. Em seu jeito único, apegava-se muito a sentimentos e possuía a mais brilhante das falas. E em seu triste olhar podia-se, com certo empenho, ver o universo que separava a luz de nosso pequeno mundo. Oh, com aquele olhar era possivel vislumbrar a realidade que perdemos de habitar, de pessoas cujas almas merecem o maior dos confortos.

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segunda-feira, 20 de julho de 2009

Anjos.

- Então - ela hesita por um momento -, é que você não acredita em anjos?
Ele sorri.
- O que estou tentando dizer pra você, é que nunca me importei com essas coisas. Nunca. Nunca imaginei eles existindo ou o que for.
- E?
- E quero dizer que... Bom, que se há anjos, ou criaturas místicas quaisquer, alguma delas está sorrindo agora, chorando de felicidade. Por essa noite. Por o que me foi presenteado. Com certeza.
Ela sorri, passa levemente a língua pelos lábios superiores e o beija rápido mas intensamente.
- Agora, por trás do meu ceticismo, consigo ver, sentir. Isso é algo, algo importante, para mim, para nós. É um nascer do sol.
Ela o beijou novamente. Não entendeu muito do que ele quis dizer, mas não se importava. No fundo, ela também sentia como se algo grande estivesse ocorrendo.

*

Em um outro canto da cidade, um garoto alternava entre sentar no chão apoiado contra a parede roçando a testa e andar de um lado para o outro do quarto como se estivesse perdido.
"Não é mais a mesma coisa. De jeito nenhum. Nunca mais será o mesmo entre nós. Por que ela foi agir daquela forma? O que devo fazer?" Divagava o garoto.
A noite terminou com ele irritado mandando mensagens grosseiras pela internet. E se sentindo satisfeito. Somente para nos dias, semanas, seguintes arrepender-se de suas atitudes e entrar em um estado depressivo.

*

Já em outras atmosferas:
- Quantos grandes amores eu tive? Bom, quantos destes temos direito a ter na vida? - Sorriu de leve o homem.
A mulher com quem conversava era alta, de corpo bonito e rosto bem conservado. Era a situação com a qual ele imaginava desde jovem. Uma vida de dedicação, esforços, uma vida dentro das regras, para crescer em um homem atraente, de sucesso, desejado, em uma festa de alta sociedade, com as melhores mulheres e todas à sua "escolha".
- Eu diria que três. - Respondeu a moça.
- É, essa é uma pergunta interessante. Eu ensaiava respostas para essas perguntas quando mais moço. Creio que pensar em um amor perdido como um número a mais em algum contador que se usa em conversas com mulheres deve ser reconfortante. - Sorriu de leve, com ironia. - Mas acho que talvez zero seja a resposta apropriada. Fui solteiro toda a minha vida.
- Solteiro toda a sua vida? - Perguntou a moça com uma mistura de "quase surpresa" com graça.
- Se estou com alguém, apaixonado, ou o que for, mas não posso mostrar meu eu verdadeiro para essa pessoa, qual é o nome disso? Eu diria que é solteirice. Nada mais que solteirice, e não deve ser amor, um grande amor.
Ela sorriu. Ele sabia que a tinha conquistado com aquelas palavras. Por mais que este não tenha sido seu objetivo em dizê-las.

*

O homem termina sua janta e então desce as escadas para a sala de estar.
"Como se acabou tão rapidamente? Não posso culpá-la, concordo que não era mais como antigamente, mas ainda assim. Como?" Pensava.
Estava nos seus vinte e tantos anos. Em uma casa de um milhão de reais. Vazia. Escura.
Cadê os anjos agora, que o amor se foi? Estão o quê? Brigando? Tristes?
Bebeu um copo de whiskey, só para lembrar de quanto odiava tal bebida. Tragou um caximbo. Andou um pouco evitando o sono. E então foi dormir.

*

O menino acorda com o aviso sonoro de uma mensagem de texto em seu celular.
"Amo você. Muito..."
Sentiu-se a pessoa mais feliz do mundo. Queria manter aquele momento para sempre. Aquele sentimento, para sempre.

*

Todos são o mesmo garoto-homem, onde o tempo não existe. "Onde estariam os anjos", ele se perguntava sazonalmente em sua vida.
Onde?
Onde estariam os anjos?

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sexta-feira, 10 de julho de 2009

The man who sold the world*.

A burguesia é certamente a mais egoísta das drogas.
Denis estava naquele momento, alucinando com outras que não eram a já citada, e sabendo que para voltar à mesma este teria de esquecer aqueles dias de loucuras alucinógenas, enterrá-los no passado. Mas naquela hora ele estava apenas aproveitando seus efeitos.
Em algum ponto nosso protagonista notou que as pessoas à sua volta estavam falando de suas infâncias, sobre como foram mágicas e incríveis e inigualáveis. Refletiu então que ele não havia tido uma infância tão boa, aliás, sua infância foi bastante triste, vazia.
Denis voltou em pensamento à escolinha onde estudara quando tinha poucos anos de vida. Lembrou-se das crianças ao seu redor, de como era sozinho no mundo, e então recordou-se de que em certos momentos, quando se sentia a criatura mais desprezível já criada por Deus ou quem for que fosse, Denis garoto subia em uma grande árvore de sua escolinha, e então observava. Observava a seus colegas como um anjo do desprezo, procurando a menor falha, a menor tristeza, e as encontrava. Sabia decerto onde ver as crianças felizes chorando ou lamentando. Quando ele se cansava, afinal, se sentia poderoso, e dizia baixinho para si mesmo: "Sou o mais poderoso dos homens". Pois se sentia assim.
*
Denis formou-se bacharel com louvor, e como previsto teve de deixar sua vida de bohêmio para trás, e todas as suas especiarias. Com trabalho e mente afiados, criou fortuna a partir de uma série de empresas criadas em sua liderança, de diversos ramos da tecnologia moderna.
Certa vez, Denis já homem de grandes especialidades, viu-se tornar um empreendedor no frio negócio de armamentos, o que não o encomodava particularmente.
Em uma transação com um grande consumidor de suas atrocidades, Denis foi presenteado com um vídeo de suas armas em ação, pulverizando aldeias de um povo de região qualquer da África.
O empresário chegou à sua luxuosa residência aquela noite com uma vontade estranha, e altamente ansioso. Cumprimentou sua mulher, seus filhos, e dirigiu-se a seu jardim particular.
Não havia ali grandes árvores, sequer altos arbustos. Denis sentou-se em um banco de madeira, e ligou seu gadget de bolso para assistir ao vídeo de suas criações em ação.
Entre as incontáveis mortes e a destruição que assistia, sussurrou para si mesmo: "Sou o mais poderoso dos homens".
E era. Naquele momento ele era.

*"O homem que vendeu o mundo", trecho da música homônima de David Bowie.

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