terça-feira, 4 de novembro de 2008

O despertar de Maurício - Primeira Parte.

O despertar de Maurício - Segunda Parte.

Como todos a sua volta, Maurício era feliz.
Sentia os pães de queijo quentes em sua mão naquela manhã, como sentia todos os dias, e senti-los o dava fome. Com fome Maurício se alimentava, na mesma mesa de sempre, com a mesma companhia de sempre, os mesmos sorrisos, as mesmas conversas. Maurício podia até prever as falas das suas colegas, o que não o impressionava; porém, naquele momento, nosso protagonista se viu fazendo uma pergunta que não lhe era de natural, mas que saiu dele como a mais certa de todas as coisas:
- Por que você está sorrindo?
- O que? - Disse sua colega, mantendo o mesmo sorriso inerte. - Porque sim.
Maurício não atingiu compreensão. Indagava com sinceridade:
- Sério, por que você está sorrindo? Aliás, por que vocês todas estão sorrindo?
Para ele aquelas perguntas significavam uma ofensa, ou mesmo se fossem verdade significariam um grande choque, mas elas mal pareciam ouvir-lhe, mantinham suas expressões débeis de felicidade. Foi quando aconteceu.
Os poucos segundos em que Maurício se deu conta da alegria insana que o rodeava foram o suficiente a desencadear nele uma onda de questionamentos.
Maurício olhou às suas colegas novamente e começou a dissertar:
- Qual é o motivo disso tudo?... Vocês não... Não sentem um vazio, um vazio enorme em toda esta colméia em que vivemos?
Não conseguia segurar seus pensamentos. Olhava à sua volta e o que antes tinha por normal agora era absurdo, de tudo sua mente questionava "como?", "por quê?". Varreu os ínfimos de sua memória e pensou em todas as vidas que tinha notícia, no vazio de tudo, na incerteza e na falsidade. Discursava agora feito um louco para quem estivesse perto, para o horror de suas colegas, mas sem tirar o sorriso demente de suas faces.
Maurício realizava tal revelação que não viu no espelho do refeitório seus olhos queimando em vermelho vivo com aquele novo homem que surgia dentro dele. Tampouco pôde ouvir os automóveis correndo loucamente pela rua transversal à do refeitório. Quando enfim chegaram, porém, ouviu-se um estrondo.
- Maurício das Neves! Maurício das Neves! - Gritava um agente de corpo pesado que entrara correndo pela porta. - Temos provas de que a Infecção o teve como vítima! Por favor, identifique-se!
Mais agentes entravam depressa pela porta, e em todos se via um grande punho demarcado em seus macacões, com os escritos "A Força Estatal". Tais agentes agora seguiam dizendo:
- Para a proteção sua e de seus colegas, identifique-se!
Maurício sentia estar em um pesadelo. Não só a Força o fazia estremecer, como a idéia da Infecção. Mas era algo além. O que descobrira naqueles passados minutos o transformara como nada antes o fez. Chegou a perguntar-se "seria isso a Infecção?", mas não pôde terminar seu raciocínio. Um dos agentes que virava rostos de jovens presentes com sua mão e os mirava, juntamente a mirar uma foto recém-impressa de Maurício, teve a sua atenção desviada por uma jovem, a que havia sido perguntada se era feliz. Ela nada fez além de apontar com braço estendido a Maurício.
- Ele está aqui! Aqui! - Gritou o agente.
Homens de roupas escuras e máscaras de gás, os agentes da Força, correram a Maurício, que viu ser jogado sem hesitação de rosto a uma mesa, abrindo um rombo em sua bochecha esquerda. Via o sangue escorrer por sua face, mas sabia que não importava, estava infectado, estava morto.

O arrastamento até um dos furgões que diziam "A FORÇA ESTATAL" foi deveras rápido, e Maurício viu portas de aço fechar em sua frente. Voltou seu rosto ao chão, com o único pensamento repetido: "eu vou morrer, eu vou morrer". Ao notar que o automóvel não estava se movendo, olhou para frente e viu a cena mais amedrontadora de sua vida: A rua, geralmente calma, estava bloqueada em ambos os sentidos por automóveis incendiados; e os agentes Força, que Maurício podia observar através da grade de contenção do veículo, estavam paralisados, mas discutiam:
- Devemos tentar?
- O automóvel pode resistir... E você sabe que o espécime não deve ser capturado.
- É arriscado.
- Eu sei... Mas é necessário.
Maurício não sabia o que pensar. "Tentar o que? Passar pelos automóveis incendiados? Era suicídio! Espécime? Do que estavam falando?"
Sentia taquicardia no peito. Sentia ânsia. Sentia raiva, pressa, medo. Quis fechar os olhos e esperar aquele pesadelo horripilante acabar. Foi quando ouviu o ronco do motor e sentiu o movimento do furgão.
"Loucos!" - Pensou. Mas nada disse, não houve tempo nem voz. Ao chocar o veículo aos carros incendiados o impulso foi tamanho que Maurício voou de encontro à tela de proteção do furgão da Força. Desmaiado, não pôde ver os homens de rostos sérios, de uma seriedade nunca antes presenciada, arrombarem o veículo para seu resgate. Tampouco pôde ver seu transporte para longe de sua cidade - ou colméia, como este a descreveu mais cedo no mesmo dia - por gente nobre que beijava seu rosto, gente que deixava cair água dos olhos e que visava serenidade.
- Mais um salvo, Marcelo. Mais um salvo. - Falou do carro o homem de olhos vermelho-fogo.

Continua.

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terça-feira, 21 de outubro de 2008

Excertos de um avião escuro e uma mente iluminada.

Vivo da mais intensa dor e agonia.
Agonia de quem viu o futuro e anseia pelo passado.

Por que o ar que respiro, mais parece trazer combustível do que vida?
Por que a água que me desce a garganta já não me proporciona prazer algum,
e faz-me máquina?

A inércia em que vivo é a mesma que me enoja.
"Algo para me dar prazer!" Grito inutilmente para mim mesmo.
Grito em pensamento, pois sou covarde de gritar em voz.

Covarde é o que sou.
Mas tal auto-conhecimento traz-me benefícios? Traz-me bravura?
Maldita seja esta obsessão por tentar me entender.
Sinto pena do primeiro humanóide que ao levantar sua lança questionou-se "por que?"

Diagnósticos de mim não trarão-me felicidade. Pelo contrário.
Ainda assim, não consigo evitar de querer descobrir a razão de escrever essas palavras todas.
Basta! Está tarde já.

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sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Márcio - Parte 2.

II - Consequências e caos.

Precisamente três dias se passaram desde a morte de Henry, e o bar da nossa estória ainda continha aquele clima fúnebre que diz "coisas aconteceram, mas não queremos falar do que houve"; quando então param dois veículos SUV de cor preta na calçada, abrindo as portas rapidamente.
De dentro dos tais veículos saem oito homens de ternos pretos e aparência saudável. O mesmo atendente, que agora continha aquele olhar triste de que tirou uma vida, olha para os homens e não fala nada, só observa. Ele era conhecido não só pela sua já citada calma, mas pela sua bravura.
Nunca em toda a história se viu crime de vingança com tão poucas palavras: armas sem silenciador esbanjavam ironia em todos aqueles assassinatos silenciosos. De um a um os clientes iam morrendo sem abrir a boca, deveriam estar se perguntando o que estava acontecendo, ou se iriam também ser mortos.
Sapatos e paletós cruzaram o ambiente deixando somente medo e corpos, corpos sem vida.
O atendente do bar observava calmamente, havia medo em seu corpo, mas não em seus olhos castanho-amarelados, que estiveram fixos até a rajada de projéteis o atingir no peito.

Poucos minutos depois uma casa nas redondezas é visitada por um dos SUV, que desembarca um dos homens de terno. Este entra rapidamente e bate à porta, vendo-a deslizar em sua frente, estava aberta, aquela era uma casa com criança.
O homem entra rapidamente à casa, aparenta ter quarenta e poucos anos, e tem um olhar suave, daquele que quando se vê se pensa "deve ser uma boa pessoa"; e olha para a mulher assustada à sua frente. Levanta um revólver ao peito da mulher.
- Quem é o senhor? Pode levar tudo, só não nos machuque. - A mulher estava começando a chorar, tremendo e aparentando nervosismo.
O assassino olha à sua direita, um garoto estava ali observando. Não havia muito que fazer. Com dois tiros o peito da mulher estoura e logo após a sua cabeça.
Passos rápidos e o homem de olhar suave sai da casa e entra no automóvel:
- A porta estava aberta, não havia nenhuma criança, não é? Porque as ordens eram para matar to...
- Não havia mais ninguém. - Responde decidido.

Na casa foi deixado o garoto Márcio, nosso protagonista de então 7 anos, que ficou abraçado, chorando, com o que tinha sido sua mãe, até que foi puxado para longe por um policial, sem cerimônias. Como foi puxado de sua mãe falecida, da mesma forma foi tirado de sua casa, de sua vida. Pelos seus olhos castanho-amarelados calmos, herdados de seu pai, Márcio guardou as piores lembranças daquele dia, quem sabe até a sabedoria de nunca confiar em um olhar suave.

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quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Metáfora de homens e seus guarda-chuvas (nonsense).

Pense em um mundo de praça sem ruas, somente calçada e pessoas circulando. Há nesse mundo uma chuva de que todos nós já experimentamos, ou anseamos por experimentar.
Pessoas diferem em interior por o que diferem na atitude: Existem os que não se desprendem de seus guarda-chuvas, com um medo obsessivo de se molharem daquela água forte, e quando olham para o lado, para um chamariz qualquer, logo enterram o pé em poças e mergulham em arrependimento.
Outros preferem olhar sempre para o solo, para terem certeza que não pisarão em falso. Quando estes decidem levantar os olhos o caminho todo se passou e de nada aproveitaram, pois só o que viram foi a si mesmos por seus olhares amedrontados.
Há também gente que tomou da água caída por acidente e decidiu se deixar levar, para o horror dos medrosos, mas também sofrendo pela chuva forte.
E há por fim os mais interessantes de todos, os que amam a chuva. Andam felizes por estarem molhados, sorrindo ou tirando prazer de sua melancolia, quando o riso não vem.

Qual desses é você, oh humano?

*Nota: Para quem não interpretou a metáfora sozinho há uma "legenda" no primeiro comentário deste artigo com a minha interpretação.

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domingo, 27 de julho de 2008

Márcio - Parte 1.

I - O antes.

Um homem chega cambaleando ao balcão e diz ao atendente:
- Eu... É... Eu levantei a cerveja assim - o homem representa a ação levantando a garrafa vazia, estava muito alcoolizado - e o garçom fez que não... Não sei o que... Não importa... Me dá uma cerveja.
O atendente olha com um olhar calmo, pacífico:
- O senhor já bebeu o bastante, o que acha de ir embora descansar?
- Mas eu quero uma cerveja! Olha, eu não tou dirigin... Só me dá uma cerveja!
- Amigo, você já bebeu bastante, não vou servir mais a você, não quero problemas.
- Mas o senhor! O senhor está sendo incon... Inconsequente comigo!
- Olha o cara! Falando bonito pra se fazer de sóbrio! - Exclamou um dos clientes do bar.

O homem alcoolizado aparentava ter 20, 22 anos de idade, mas mal se aguentava em pé pela embriaguez. Olhou rapidamente para o indivíduo que havia falado, e voltou novamente os olhos ao atendente:
- Você não sabe quem eu sou, hein! Me deixa comprar essa cerveja logo! - E ao falar isso segura o braço esquerdo do atendente, que estica sua mão esquerda para dentro de uma gaveta ao lado, tateando à procura de algo.
- Amigo, não quero problemas, saia do bar. - Não havia nervosismo em sua voz.
- Você não entende, cara, não entende! Eu só quero a cerveja! - Falou o alcoolizado, mal conseguindo manter o olhar fixo. Este então levanta a garrafa que havia deixado no balcão, movimentando-a agressivamente contra o atendente, e continua - Me dá essa cer... Me dá uma cerveja, cara!
- Eu peço que você se afaste do balcão! - Falou o atendente, já com um revólver em mãos.
- Pra que tirar essa arma? Eu só quero um pouco... quero um pouco de respeito!

Não se pode saber se o homem iria jogar a garrafa à sua frente, ou se iria parti-la na cabeça do atendente, quando ele movimentou rapidamente o seu braço um tiro ecoou no recinto, e o homem caiu para trás sem vida, com a marca do tiro no peito.
Sangue, gritos horrorizados, medo, pessoas desesperadas.
Quando chegaram os policiais foram ouvidos depoimentos de várias pessoas, e concluído que se tratava mesmo de um caso de legítima defesa; porém, pelas roupas formais e olhares frios dos homens que vieram buscar o corpo do tal Henry - sua identidade foi descoberta pela polícia - esta estória estava longe de acabar.

*Nota: "Márcio" é uma estória seriada cronologicamente escrita como um conjunto de curtas-metragens, é o primeiro escrito do Divagações que não é puramente literário; e, para se ter boa idéia do que foi imaginado para a estória, o melhor é ler como se você, leitor, estivesse vendo um filme, um filme fragmentado, e este fosse o seu roteiro.

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sexta-feira, 25 de julho de 2008

Eis que olhei para homens tristes.

Eis que naquele momento olhei para homens tristes.
Em meus farrapos de fracasso quis amá-los,
amá-los como se amam aqueles que nos são de sangue
porque de sangue e sangue agora eram de coração.

Vi então pessoas felizes,
de ódio sincero e grosseiro quis amarrá-las aos carros em movimento,
vê-las sofrendo em agonia obituária,
ver arreganhar-lhas o grito nas gargantas vis que compunham aqueles corpos,
corpos de débeis.

Eis que vi pessoas amando, e elas me trouxeram aquele sentimento,
quase de piedade.
Vi-as andando e quis colocá-las em grandes mostradores, vendo seus amores as traindo,
as destruindo com palavras,
vendo tudo decair em suas frentes como havia decaído em minha.

Mirei uma moça abatida, que andava como corpo sem alma.
Quis segurá-la pelos braços e carregá-la comigo,
nessa dança de monstros trajados de gente,
nesse bailar repetitivo e destruidor, que os que pouco o conhecem chamam de vida.

Olhei então à beira do horizonte, e vi uma menina de rosto inocente.
Não a haviam pegado! Os monstros não a haviam achado!
Quis tomá-la em um abraço e segurá-la para sempre,
salvá-la daquela dança infernal.

"Por que também essa criança está aqui?
Ela não merece, ninguém merece! Mas ela, não é certo!"
Gritos de minha voz rouca, daquele pigarro sujo de fumante, ecoaram.

Em meio aos gritos levitei de braços abertos daquele jogo doentio.
Vi ganchos negros surgirem, perfurarem aos poucos e estraçalharem o meu corpo.
Em meio à dor, em meio a ver ossos estalando,
entranhas voando para todos os lados.

Cerrei meu punho até me voarem as falanges,
girei meus olhos para todos os lados até me saírem os globos.
E sorri,
sorri até meu rosto estar em pedaços.

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sexta-feira, 11 de julho de 2008

Dorme agora. É só o vento lá fora.*

“Olhos claros como o brilho da lua”.
...
“Mãos suaves cujo toque possui uma magia inexplicável”.
...
“Bochechas vermelhas que suaves se tornam pelo beijo enamorado”.

Logo que terminara o seu poema o garoto levanta-se em um salto e começa a andar. Havia um “quê” de conhecido naquelas frases delicadas, algo como um breve dejà vú.

Mãos abanam um cumprimento rápido à moça conhecida, ao passar por uma casa de muros verde-lima. Mais pessoas cumprimentadas e mais sorrisos abertos em direção ao garoto. Algo estava estranho naqueles sorrisos.

O garoto apressa o passo para chegar logo à casa de sua amada, entregar o tal poema, escutando respirações ofegantes de si.

Mais um rosto conhecido a ser cumprimentado, mais um “olá” com o famoso gesto de mão; o menino agora nota o estranho nos sorrisos, são sorrisos inertes, quase débeis.

Mais respirações ofegantes. Queria chegar rápido à sua menina, ver o sorriso recebido, o mais gratificante de todos os prêmios.

“Um momento que lembrarei para sempre. Essa rua, essas palavras”. Pensa o garoto. "Para sempre".

Seus olhos miram suas mãos à procura da carta a ser entregue. Desvanecera! Onde estaria?

Olhos rápidos, aparentando loucura, cruzam todos os lados, não se acham cartas, só branco, nada mais que branco.

Respiração ofegante se torna mais e mais alta. Não estava mais a correr, não via mais a sua direção ou a rua.

Som de choro breve e palavras distantes: “É um mal terrível, porém não há nada a fazermos”.

Algo não estava certo, algo não se encaixava.

Boca aberta e gosto de pílulas pela garganta.

“Basta, agora basta. Durma um pouco”.

O garoto atemporal queria saber o que estava acontecendo. Queria saber para onde teria ido seu poema ou seus conhecidos, queria saber por que suas mãos estavam tão secas e fracas, mas algo o impedia de pensar, algo o estava cansando.

“Hora de dormir”.

Ele queria entender tudo, tudo o que estava passando, mas estava cansado. Precisava de algum tempo de sono, somente algum tempo de sono. E tudo faria sentido. Só algum tempo de sono...

* Legião Urbana - Pais e Filhos.
**Nota: Para quem não entendeu nada, mas nada mesmo deste conto, ofereço uma interpretação nos comentários do mesmo.

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segunda-feira, 30 de junho de 2008

Dissertação para tempos inferiores - Terceira Parte.

Primeira Parte.
Segunda Parte.

Falei tanto de vocês e não falei de nós. Basicamente a solução para os problemas de seu modo de produção foi que a hereditariedade seria cortada completamente, sabe. Por exemplo, hoje um casal pode ter filhos tranqüilamente, mas os filhos não são propriedade e escolhas deles, são do Estado Maior. É um mundo justo sabe, o cidadão recebe seu cargo, seu capital e seu prestígio através de somente suas próprias conquistas. Tenho pena somente dos marginais, esses são os que acabam por ser considerados sem capacidade para trabalho, meu padrinho (estudante mais velho que aconselha um mais novo) diz que ao tirar o direito de trabalho de um homem ele está se tornando um bárbaro, mas se isso realmente é anti-ético é só questão de tempo até mudarem para uma nova legislação que seja ética para com os marginais, pois como nossos mestres dizem o nosso Estado é completamente maleável, e por isso que ele é tão correto.
Povo de 2010, há uma palavra de sua época que diz muito sobre o que está ocorrendo por aqui: conspiração. Pelos grandes corredores e pela comunicação inter computadores cada vez mais e mais há mensagens antigoverno, antiestado, sabe, que dizem que nossa ração é cheia de antidepressivos que nos debilitam mentalmente e que a vida fora de família é somente para fortalecer o Estado. De um lado temos revolucionários querendo mudanças e de outro nossos mestres falando que isso tudo é passageiro, já eu acho na realidade que não há perfeição, não há sociedade perfeita, então mesmo essa tão bem aperfeiçoada terá de lidar com algumas revoluções periódicas, mas essa é só minha opinião.
Nos dizem em aula que em sua época turmas chegavam a ter menos de 50 alunos, incrível, e que todos os alunos, mesmo os mais e os menos inteligentes, iam para a mesma sala de aula, não eram separados, me pergunto como isso é possível! Atualmente há uma taxa de aptidão mental, onde eu tirei 74 e acabei indo para a turma de nível 4 (ao total são 5 níveis) e depois disso você recebe uma numeração, como já disse sou o 68, de 430 alunos. Dizem que o maior símbolo da perfeição de nossa sociedade é a capacidade intelectual dos estudantes, mas acredito que na época de vocês, alunos de 8 anos (como eu) sabiam tudo o que eu sei, talvez até mais.

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domingo, 22 de junho de 2008

Horripilantemente perfeito.

-Quarenta e seis?
-Sim... E você, setenta e dois?
-Sim. - Responde, e brevemente olha uma foto em sua mão. Levanta os olhos à quarenta e seis de um jeito frio, com uma expressão de "entrega errada" no rosto.
-Você não parecia ter essas sardas na sua ficha. E seu cabelo parecia mais curto.
-É uma foto velha, você quer cancelar?
-Não, dá pro gasto.
Um olhar seco, porém afirmativo, e a resposta:
-Você também.

Em alguns minutos os dois desconhecidos tiram as roupas um defronte o outro, com breves olhares de fiscalização.
Após o coito a ligação foi feita: Olhares satisfeitos cruzam o ambiente, mãos sujas da mais humana das atividades se tocam.

-Foi melhor que meu último. - Diz setenta e dois.
-Ah, foi como sempre para mim.

E então há aquele momento especial, aquele sorriso misterioso, impagável. Os dois, homem e mulher, entraram em sintonia; para tanto não precisaram de diálogos fúteis ou eventos sociais. Tampouco os dois precisaram se entender, ou se complementar perante a sociedade ou perante seus conhecidos.
Aquele sorriso é tudo. Conexão feita dá início à segunda fase, infinitamente mais importante. Ambos deitados e nus, e Setenta e dois começa falando sobre o estresse de sua ocupação, sobre como tem medo de se tornar inútil. Conversa vai e vem e logo estão e falar do inacabável desespero humano, do medo da morte, da insignificância e da ignorância.
Horas fluem naquela conversa maravilhosa. Segredos indizíveis, vergonhas desumanas, mágoas avassaladoras e vontades imorais são colocados para fora como um processo mútuo de limpeza.
Acabado o desespero o silêncio traz a única - e breve - tristeza do evento: este acabara. Ao fim não se reserva beijo, abraço ou carinho, somente a gratidão e a certeza de que jamais se reencontrarão.

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sexta-feira, 13 de junho de 2008

Terra de rei.

Terra de rei era terra boa, terra fértil.
Terra de montanha,
de pasto,
de vila.

Em terra de rei costume era lei,
vestia-se a farda do ético, do justo.
Em terra de rei a justiça era cega,
sagaz, pertinente.

Certa vez, em terra de rei,
um homem olhou além,
além do verde.
Além das colinas.

Ao pobre homem puniram-lhe os olhos,
faca passou-lhe de lado a lado.
Povo feliz felicidade consumiu,
espada de justiça de estupidez tornou-se,
jorrando o sangue do homem que viu além.

Moça jovem esticou os braços,
além do braçal e do repetitivo,
usou-os para o novo.
Espada da justiça amputou-lhe desde os ombros.

De tempos em tempos a justiça continuava,
de membros ensanguentados e povo alucinado.

Velho sábio teve sua vez na roleta do acaso,
noites de insônia idéias o presentearam.
O velho desenrolou a sua mente como uma pasta sem fim,
traçando-lhe seu destino trágico.

Mente aberta era mente morta.
Antes da guilhotina, o velho teve seu último e sábio desejo,
como prometido, pôde conversar por horas com o rei.
Então rei agora possuía mente aberta, mente fértil.

Ao velho sobrou a lâmina e ao rei o desespero.
O rei não teve lábia ou escrita para o seu povo libertar,
jamais os ensinaria todas as idéias que agora tinha.
No cair da noite tomou seu cavalo e fugiu ao horizonte.

Povo sem rei era povo revolucionário,
ou deveria ser.
Tudo continuou o mesmo.

Justiça cega é justiça traçada, e as punições continuaram.
Convencional batalhou liberdade até o fim dos tempos,
Rios de sangue, de olhos e braços, marcaram a terra de rei;
Terra de conservadorismo. Terra de ignorância.
Terra de perdição.

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segunda-feira, 9 de junho de 2008

A viagem.

"Tec. Tec."
Batia a caneta à folha em branco, como a mente de seu dono.
Onde havia esse escritor, que um dia teve exuberante fama e reputação, perdido suas idéias, suas inspirações? Encarava agora sua folha vaga, e não havia muito o que fazer contra seu bloqueio criativo.
Um tempo passa e um amigo que o observa comenta:
-Viaje, é o que você precisa, suas idéias terão retornado.
Com certa relutância o escritor segue o conselho dado...

O barulho das malas quicando no banco passageiro em cada lombada, luzes aos olhos, a estrada escura.

Certo tempo passa e nosso amigo escritor vê o farol no horizonte. E ao parar seu veículo o escritor se dirige à porta. Entrando sente um frio descomunal, que já havia sentido várias vezes. O lugar está deserto e aparenta estar sem visitas há certo tempo. Passam-se alguns minutos e o escritor continua a procurar alguém, algo.
De repente há um som forte e uma figura fantasmagórica de uma velha mulher aparece à sua frente, com a mais vil de todas as vozes:
-Que fazes aqui? Sabes que não encontrará nada! Perde seu tempo, estúpido! Volte de onde veio!

Olhos se abrem e surge novamente a voz do amigo:
-De volta? Não tem nada lá mesmo? Nada novo?
-Só aquela maldita velha... Preciso saber o que ela representa...
-Fique tranquilo amigo, tudo voltará. Tudo voltará.

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domingo, 1 de junho de 2008

Dissertação para tempos inferiores - Segunda Parte.

Primeira Parte.
Terceira Parte.

Sabe, povo de 2010, vocês serão mal vistos. Falo a verdade. Todos por aqui dizem que vocês arruinaram o planeta, brincaram com o ecossistema, a biosfera e outras coisas, mas eu não faço parte desse povo julgador. Nos falam em aulas de como vocês sabiam de tudo o que estavam fazendo, e continuavam o fazendo, e eu simplesmente não acredito! Como homens seriam tão ignorantes? Acredito que faz parte da natureza humana culpar alguém, e acabaram culpando a época mais próxima das Grandes Mudanças Ambientais (ah, só de ler novamente essa expressão já me dá um nó no estômago, vocês deveriam agradecer de não ter de estudar isso, ou pelo menos ainda não).
Não tenho muito a escrever, talvez vocês conheçam essa minha situação, sabe, preciso escrever muito em cada trabalho da Escola e imagino que em sua época fosse a mesma coisa. Bom, minha escrita é meu refúgio, sabe, às vezes eu fico pensando se a vida familiar de sua época era boa para problemas como depressão. Hoje em dia quando uma criança nasce, ela antes de ser entregue aos órgãos de estado (para ser estabelecida em um orfanato e depois medida a inteligência para ver em que turma da Escola entrará e blá blá blá...) eles a fazem passar por alguns testes genéticos, e além de ver as doenças que essa criança terá eles vêem até as doenças psicológicas, é super legal! O problema é que uma lei foi aprovada que proíbe o Estado Maior de dizer os problemas psicológicos ao cidadão antes deles se manifestarem, e você sempre fica na dúvida se você é um dos que possui o terrível mal da depressão, da bipolaridade ou do suicídio. Às vezes chego a pensar que possuo os três...
Dizem alguns sociólogos hoje em artigos de revistas (ler revistas em papel também deve ser melhor do que em telas) que a população na época de 2000 até 2015 era dividida entre os céticos e os filósofos, sabe, onde os filósofos eram atormentados por pensamentos sobre o futuro, sobre o caos, sobre a incerteza humana, suicídio e outras coisas, e os céticos conseguiam viver sem pensar em nada disso. Alguns dizem que os felizardos são os céticos, pela ignorância, alguns dizem que os céticos eram assim por escolha, alguns menos apoiados dizem até que um considerado filósofo poderia identificar outro somente pela feição de seriedade, incrível!
Sabe, mesmo que nossas grandes mentes não gostem de vocês, povo de 2010, todos se interessam por sua época. Vários são os institutos que tentam descobrir os mistérios de como vocês eram desprovidos de consciência ou pensamento crítico, dizem até que vocês eram rebaixados como povos e fortaleciam grandes empresas, que acabavam possuindo todo o poder. Bom, eu tenho minha teoria que é tudo explicado pela cultura, como que se vocês fossem acostumados a isso, e costume é algo difícil de se alterar.

Continua.

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sexta-feira, 23 de maio de 2008

O conflito de Matheus.

Se houvesse uma palavra para descrever Matheus seria "solitário". 16 anos de vida e o que Matheus sabia de si mesmo - como todos nós - vinha do que lhe era dito. Quem é certo ou errado para dizer como alguém deve ver a si mesmo quando se olha em um espelho; quando está a descrever a si mesmo? A verdade é que Matheus havia passado tanto tempo por entre corvos que este já tinha a imagem falsa de que ele era um desmerecedor, um mal-educado, alguém que não se deve ter por perto.
Como em toda chuva há de cair uma gota que insiste em desviar a rota, havia também na vida de Matheus uma exceção. Tal exceção possuía nome, endereço e formas, e era tudo em que ele pensava ultimamente: Uma menina que gostava dele, que via amor onde outros viam maldade, que via gentileza onde os outros viam desmerecimento.

Entre alegrias de seu novo amor, nosso protagonista novamente tinha de ver seus corvos, seres estes que o viam de pouco em pouco tempo, mas que achavam em imensa ignorância que o conheciam, e faziam fervor em desanimá-lo com suas noções errôneas.
Dos detalhes irei os poupar, pois não há honra em descrever o estúpido, o falso, o triste. Basta saber que naquele dia os corvos entraram na mente de Matheus, e com suas garras verbais ignóbeis este perdeu seus pilares de sustentação, os quais só residiram naquela que o via como ele era.
Tal dia de sufoco acabou-se. Matheus, envolto no pior tipo de raiva que existe, aquela que insiste em guardar-se no peito, voltou à sua casa e foi corresponder-se com aquela que amava, e por razão de sua raiva mal trabalhada, e pelos corvos que tanto odiava, acabou por ser o estúpido que todos o diziam ser.
Uma mensagem de desaprovação daquela que lhe gostava tanto foi tudo o que bastou para Matheus entrar em crise.

Olhos fechados e mente demasiada aberta causaram muito pensar, muito ostentar.
Matheus agora se via de pé e não sabia onde estava.
Reconhecera o óbvio, estava no pátio de sua escolinha de infância, "como era pequeno", pensava, e por um momento admirou aquelas memórias antigas, aquela situação agradável.
Truques da mente e da consciência ferida: O clima agradável, a memória de infância, tudo corroído por duas criaturas que surgem à frente de Matheus.

- Foi um engano, somente um erro do momento, eu sei disso! - Falou a criatura da esquerda, na realidade era Matheus em si, sentado com sua cabeça entre os joelhos, chorando.

- Sabe-se lá o que levou ela a crer nessa tua imagem boa por tanto tempo. Sabe-se lá o que foi que houve que a fez levar tanto tempo para descobrir a desgraça que você é! Que nós somos! - Fala a segunda imagem, "outro Matheus", de pé e com olhos furiosos, encarando de forma prepotente a sua imagem à frente.

Matheus, o observador, encontrara-se horrorizado. Por que havia de sua mente travar tal batalha devaneia? Qual era o significado daquilo?

- Pare de enganar a si mesmo, você é o porco que sempre foi. Nunca iremos merecê-la.

- Não, não é verdade! - Falava Matheus que chorava, entre esperneio, entre nervos, ou seria Matheus o observador, o real?

Ceticismo e esperança não terminaram sua disputa, não houve vencedor. Matheus não suportara mais tal divagação. Acordado em um grito este pode notar a ilógica - e a lógica - do que havia acontecido. Matheus virou-se, e chorou, como há muito tempo não fazia, pois a esperança havia morrido, o lado belo de sua psique, desaparecido.

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domingo, 11 de maio de 2008

Dissertação para tempos inferiores - Primeira Parte.

Segunda Parte.
Terceira Parte.

11/05/2082
Distrito Norte49
Turma 257C
Aluno nº 68
Dissertação para tempos inferiores.

Enunciado: Ressaltar as diferenças na cultura e no desenvolvimento de diferentes modos de produção através de uma dissertação direcionada a um povo de uma época inferior.

Olá povo de 2010, meu nome é Marcos Neto Santos, mas por aqui me conhecem mais como nº 68 mesmo. Venho a falar-lhes do futuro, onde resido. Minha sociedade diz ser perfeita (é o que nos dizem todos os dias, de todas as formas possíveis) e para isso nos fizeram esse pedido de trabalho (que é realizado desde anos e anos atrás) para que possamos mandar uma carta de forma fictícia a uma época antiga, e escolhi 2010.
O porquê de minha escolha: Simples, sua sociedade deve ser muito legal! Imagino em noites de insônia como deve ser utilizar recursos sem se preocupar com taxas de reciclagem, ou como pensar no futuro como uma incógnita, ou o melhor, nem pensar no futuro!
De todas as épocas que estudamos a que mais me agrada é a de vocês, sério mesmo. Como deveria ser divertido tantos brinquedos provenientes do petróleo, e de formatos diversos, ou como deveria ser rabiscar e rabiscar em folhas, sem ter de usar o computador, que nessa época estava em um crescimento tecnológico incrível, também. Como deveria ser andar de autos, queimando gasolina sem se incomodar com poluição, e isso é só o começo. Minha nossa, como deve ter sido presenciar tantas mudanças! Aquecimento global, guerras por recursos, novas idéias de todos os cantos, e claro, todas as revoluções!
Ainda assim, mesmo com tudo isso, o que mais me interessa são as famílias. Oh, palavra forte para a época: “Família”. Mal posso imaginar como deve ter sido bom para a grande parte da população essa vivência entre seres de mesma genética, ah, que vida! Sabe, povo de 2010, nos dias em que vivo família é coisa do passado. Nossos mestres (acredito que a palavra para sua época seria professores) nos dizem que “o problema do capitalismo neoliberal é a hereditariedade do capital e das cotas em empresas, que andava sempre de mãos dadas com o nepotismo e idéias errôneas repassadas em família, como preconceito e antiética” (já nos fizeram decorar esse texto), sei lá, talvez eles estejam certos, mas que seria divertido viver com pai e mãe deveria!
Não sei se estou dissertando corretamente no tema, mas é o que minha cabeça me diz a fazer, só não espero ninguém gritando “digressão, digressão” para mim, aliás, essa época de vocês é a época deste meu livro preferido: “O apanhador no campo de centeio”, ah, como gostaria de sentir o toque de um exemplar original em minhas mãos, no bom e velho papel, que tanto vemos em fotos, mas que tão pouco vimos frente a frente.

Continua.

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sábado, 26 de abril de 2008

Pasmem! Houve um infanticídio!

Todos os instrumentos de massa, jornais, web sites jornalísticos, jornais televisivos, tudo o que pode e tem voz nessa nação de cegos estão a falar o mesmo: Houve um infanticídio!
Abra seu periódico, ligue sua televisão, ou vá até a concentração de pessoas mais próxima, todos não mudam a "faixa musical": A menina Isabella.
Para leitores do futuro, em abril de 2008 toda a atenção da mídia voltou-se a um crime hediondo, onde pais e madrastas foram culpados de assassinar a filha.

E aí que você pensa: Qual o problema?
Simples, o mesmo problema de sempre quando o assunto é movimento da mídia: manipulação.
A mídia manipula a cabeça de todos para esse crime, como se toda a criminalidade brasileira correspondesse a casos isolados como este, tentando imitar estilos de vida europeus, onde uma queda de um avião de seis passageiros é uma tragédia.
Manipula, no sentido de criar uma ilusão de poder a seus usuários, como se fossem deles o poder de julgar o caso, analisando amostras de sangue, depoimentos.
Todo esse jogo de julgamentos cria uma sociedade ignorante que se une em um bar, um colégio, uma reunião, para discutir atos e fatos de algo que não lhes cabe o julgamento, muitas vezes sem analisar fatos altamente relevantes e sempre levando a espada da justiça, mas nunca sua venda ocular - ou sempre?
Então se movimentam policiais, juízes, peritos criminais (que finalmente estão recebendo seus 15 minutos de fama) para voltarem todas as suas atenções ao caso da menina Isabella. E os outros milhares de meninas, e milhares de meninos que morrem anualmente neste país?

Outro exemplo desse maravilhoso desvio de atenção pode ser visto em uma prova de admissão da Universidade Federal do Paraná, onde a doença do escorbuto foi retratada em prosa sobre a refeição dos marinheiros da esquadra de Cabral, de 1500, sendo que essa mesma doença mata centenas, milhares, nas periferias das grandes cidades brasileiras hoje em dia, sem ter de voltar 500 anos no tempo.
Está na hora deste país acordar, e não sei se o mesmo tem esta capacidade.

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segunda-feira, 21 de abril de 2008

Bela flor.


Oh eu!
Por que te aprisionas?
Por que utilizas dessa arma letal contra si, e por que persistes no erro?
Oh, por que, diga-me o porquê, por que és tão obcecado?

De tantas flores que lhes vão às mãos, de tantas
por que se aprisiona àquela flor misteriosa, que quando mais se descobre,
menos é flor,
e mais são espinhos.

Diga-me, de tantas flores, por que escolhes esta?
Diga-me, se sabes de teu erro, por que persistes?
Diga-me, por que gostas de sofrer?

A lógica o contraria, eu.
A verdade o contraria.
Se queres saber, eu, quem o escreve agora também o contraria.

Meu incômodo, eu, é que tu sabes de tudo,
sabes do erro, da falsidade, dos espinhos,
deveras a curiosidade de descobrir a flor por detrás dos espinhos ser tão grande
a te consumir, eu?

Deveras a obsessão negar-lhe a razão?
A razão de que não há flor além dos espinhos que já o feriram e ainda o fazem.
Negar-lhe, eu, que há tantas outras flores,
que merecem seu toque muito mais do que essa que traz em si sua ruína.

De que adiantas, eu,
tantas falas, tanta filosofia,
tanto pensar, pensar sobre pensar,
se acabas por ver a ignorância como uma bênção?

Sabes que se machucas, e que não ganhas nada.
Esconde-se, eu, por trás de lógicas bobas.
Esconde-se, acima de tudo, por trás de ilusões.

Essas ilusões o estão consumindo, eu.
Acorde!
Não há flor por trás desse ser seco e cruel.
Acorde!

Acredito, eu
que não há Dionísio que o levante de suas sombras,
agora,
que se estás cego de obsessão.


Imagem magistral por Guilherme Laso, http://www.flickr.com/photos/guilhermelaso/ .

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sábado, 29 de março de 2008

Ensaio sobre escolhas.

Estou sem escrever a dias, muito por cansaço mental, de atividades que não serão dissertadas. Pretendo voltar à ativa.

Como imaginava era somente necessário algumas linhas de escrita que as idéias iriam ressurgir, e ressurgiram, e com elas o gosto, por essa prática, esse exercício, para a leitura de outros, mas principalmente para a leitura futura por meu próprio ser envelhecido.

Eis o assunto a ser analisado: Escolhas. Às vezes pensamos tanto sobre um assunto, em fragmentos que só entendemos e que não podemos explicar, e esse é uma dessas vezes, mas tentarei explicar claramente.
Pensemos em um caso qualquer, uma pessoa deve escolher entre A e B, dentre isso não há nada de novo, o que quero explicar é que na realidade a verdadeira batalha mental não está entre decidir por A ou B, e sim entre dois lados de sua mente. Qualquer decisão, certa ou errada, sempre terá na pós-decisão um cenário mental da seguinte forma: Um lado defenderá o escolhido, jogando idéias que favorecerão a mente na escolha, não importando se a escolha foi efetivamente certa, somente para manter uma boa saúde mental. Já o outro lado é o lado do arrependimento, sempre dizendo que o pior foi aceito, sempre avaliando "grama mais verde", o maior sucesso, e afins.
O que proponho é o seguinte, esses "lados" não se criam através da defesa de suas idéias, através da necessidade de manter uma igualdade de noções, ou coisas do tipo, eles se formam simplesmente com a idéia de "consolo" ou "arrependimento", sem se importar com o certo ou o errado, ou seja, na realidade as batalhas mentais vêm não pelas escolhas, e sim pela mentalidade da pessoa, pela consciência, ou para ser mais específico (ou mais viajado) simplesmente pela autoconfiança, onde uma pessoa que possui pouca irá sempre ver suas escolhas como errôneas, e vice-versa.

Tudo sempre caminha para a ampla ciência da Psicologia.

Estou cansado, em breve postarei mais - e melhores - artigos.

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terça-feira, 11 de março de 2008

O último trem.

-Perdi o trem da meia-noite?- Perguntou o homem que chegou correndo à estação.
-Sim, o senhor o perdeu.
-Ah, então pegarei o da meia-noite e quinze.
-Não, senhor, você perdeu o último trem.
-Ah! - suspirou o homem. - Pois então virei amanhã.
-O senhor não entendeu. Você perdeu o último trem.
E então o homem viu com clareza, com seus próprios olhos, a estação de trem se desvanecer, e o homem que dialogava, sem rosto ou formas, também se desvanecer. Somente o trem rumava ao horizonte, sem se importar com a ausência deste seu passageiro.
E tudo se tornou claro, e não restava nada ao pobre homem além de aceitação.

Não percam o último trem.

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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Individualismo, a loucura americana, e a enquete.

E foi então que o homem percebeu que em sua vida ele tinha duas sombras, a silhueta de seu corpo na luz e uma outra, impertinente e por muitos desejada, que contorce o caminho por onde passa e não mantém respeito à ordem natural das coisas, perseguida pelos escritores e odiada pelos rotineiros, chamada Ironia.

Trecho muito pequeno para um Devaneio, também muito pequeno para um Conto, mas mereceu ser postado. Pensei em vendá-lo entre aspas, mas não era necessário.

Vamos ao que interessa: Individualismo e os EUA.
Para quem não "está ligado" às eleições dos Estados Unidos, no lado democrático existem dois possíveis candidatos, de forma curta e grossa: Um negro e uma mulher. Pasmem! Já é notícia em todos os grandes jornais do mundo há algum tempo, pela primeira vez, o país símbolo da Democracia (com certa ironia, retomarei o assunto mais pra frente) terá - tomara - alguém que não é um homem branco de meia idade com idéias conservadoras, e sim um "membro de uma classe menos favorecida!" E vem aquela pergunta que todos devem se perguntar, "Os EUA estão prontos para um presidente negro/do sexo feminino?"
Não é essa a pergunta que nos interessa no momento, o que nos interessa é: "Qual será a diferença?"
É incrível como os americanos moldaram uma sociedade tão individualista nas últimas décadas, por exemplo, ao se perguntarem como está a votação entre Hillary (a mulher) e Obama (o negro) os jornais não dizem algo como "o total está tantos 'porcento' para um e tantos 'porcento' para o outro", não, eles dividem toda a sociedade em blocos, ao máximo que podem dividir, até ter uma noção máxima de como anda o voto (e acabaram, pelo menos nessa última eleição, com muitas estimativas erradas), por exemplo: "As mulheres de idade entre 60 e 80 anos estão votando tanto e tanto" ou "Os homens brancos de idade entre 18 e 25 estão votando tanto e tanto". Não é preciso um doutorado em ciências políticas para se imaginar que a maioria dos negros votará em Obama e a maioria das mulheres em Hillary, mas para que uma rede de comunicações faça uma dissecação das raças, das faixas etárias, do credo, é simplesmente algo estupidamente individualista.
E o pior, eles não se dividem somente entre raças, idades e credo, eles também se dividem entre estados, com campanhas políticas que "gastam todos os esforço$ em um estado tal" ou "procuram manter uma boa campanha no lado leste do país", e os resultados das votações para quem irá representar o partido passa também de estado em estado, fazendo parecer mais um filme de ação da década de 90 do que o exercício da Democracia.
Não somente isso, ao final da decisão de quem irá representar o partido Democrata e o Republicano, a eleição para presidente se divide estritamente entre esses dois partidos, sendo que ambos já tem suas pré-concepções e idéias previamente montadas, por exemplo, um candidato republicano (conservador) perderia o apoio do próprio partido disseminando a legalização do casamento gay, e um candidato democrata perderia também o apoio de seu partido ao falar mal do aborto. Existem também os chamados "candidatos independentes", que recebem uma quantidade nula de votos, e não merecem nem serem mencionados.
Então é basicamente isso, nós temos a sociedade atualmente mais bem projetada em ramos científicos/bélicos bipolarizada. E não paremos por aqui, nos EUA as leis também são aprovadas em um ou outro estado, mantendo legislações diferentes da União, ou seja, uma adolescente que mora em um estado que não permite o aborto cruza a fronteira, realiza o aborto, e volta para casa. Então basicamente o povo americano se divide entre estados legislativos, e se já não foi o suficiente se dividem entre cores, se já não foi suficiente se dividem entre credos, em faixas etárias, em costumes. E é justamente por isso que quando um candidato se apresenta para um cargo de grande poder o povo e a mídia não se pergunta quais são suas idéias, e sim de qual dessas infinitas divisões que ele pertence, e claro, se o país está "preparado" para ele.
Nada mais a declarar.
Se me perguntam quem eu acho que deve ganhar a eleição é o candidato Barack Obama, pois não considero correto mais um mandato do partido republicano ou uma candidata (Hillary) que chora, literalmente, em comícios para ganhar votos, o que já foi comprovado que é eficiente - além de patético.
E ah, sobre a ironia em que os EUA são o símbolo da Democracia, acontece que lá o voto de um cidadão não vale o mesmo de que o de um cidadão de outro estado, sendo que o presidente Jorge W. Bush ganhou a eleição com menos votos que Al Gore.

A enquete "No que você acha que o Divagações deveria focar seus posts?" Terminou com magníficos:
Divagações sérias: 6 votos, 46%.
Divagações descontraídas: 4 votos, 30%.
Divagações sarcásticas: 2 votos, 15%.
Contos: 3 votos, 23%.
E por que "magníficos"? Simples, pois se você somar as porcentagens o resultado é em torno de 115%! Ótima matemática do Blogger!

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terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Carência.

A menina tem oito anos, a mãe senta ao lado da filha, em frente ao computador da casa, e mostra a ela como se conectar a Internet (discada, da época) e como entrar nos chamados bate-papos, ou chats. Sete anos se passam e a menina, agora com quinze, divide seu coração entre duas paixões, duas almas-gêmeas, uma um garoto de outro país, com quem ela se relaciona muito bem, como nunca havia se relacionado com ninguém frente a frente, e a outra um garoto de outra cidade do Brasil, que se revelou ser sua nova paixão, despertada pelo amor do garoto doente a menina, que também nunca viu frente a frente, que está a morrer em um prazo de meses, por uma doença no coração. E então essa menina-mulher chora, chora pela condição médica do seu mais novo amigo, que ao receber a pergunta "O que o médico disse?" responde somente "Não quero nem falar disso", da mesma forma que chorava meses antes, por não poder conhecer seu amor estrangeiro, chora, afinal, por estar incapacitada, pela distância entre seu coração e seu corpo.
A mulher tem 24 anos, após um assalto encomendado, a seu escritório, ela se sentindo sozinha, com seu noivo a viagem em outro continente, passa a usar a Internet como um lugar para amizades, para desabafar, pouco tempo passa e ela conhece um homem como qualquer outro em um jogo, e ao trocarem msn's para conversarem, passam cinco dias conversando sem parar. Alguns meses depois ela continua noiva, e se considera apaixonada pelo homem que conhecera virtualmente, tal que marcou várias viagens para conhecê-lo pessoalmente, mas não pôde concluir nenhuma, agora, prestes a se casar, ela ainda vislumbra conhecer sua paixão adúltera, esperando a primeira chance a tomar um avião.
O garoto tem 19 anos, nunca teve grandes amizades, tampouco grandes amores, e encontra na Internet seu refúgio para ser sincero, amigável e amoroso. Após várias "namoradas virtuais", ele decide conhecer uma pessoalmente. Marcam um encontro em um lugar público e ambos se sentem chocados em como se conhecem, mesmo que nunca tenham sido apresentados pessoalmente. O tempo passa e a relação que era impecável no mundo virtual se mostra impraticável no mundo real, onde não existe Backspace, Aparecer offline ou mesmo um sorriso sincero, que pode ser transmitido a qualquer ânimo.

Não posso dizer quais dessas estórias são verdadeiras, pois não seria ético de minha parte, tampouco não direi quais inventei. O que posso dizer é que nesse caso a verdade supera a ficção, literalmente.
Já fui preconceituoso em relação a amizades ou amores virtuais, onde os bits tomam o lugar da fala, onde a foto toma o lugar da imagem, e é por isso que não farei observações quanto a integridade desse tipo de relação, ou a possível falsidade que nela habita. O que falarei vem de uma dessas pessoas, que me disse uma vez: "A Internet é um lugar cheio de pessoas carentes". E essa pessoa está certa, pois não somente os que não se habituam com a vida social fora da Internet, também os que se habituam, todos, possuem algum nível de carência, algum nível de curiosidade, de necessidade.

Artigo dedicado à G.

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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Conspirações, campanhas publicitárias e a representação da cota social.

Ultimamente venho a me surpreender por algumas campanhas publicitárias, que podem ser inovadoras ou conseguem ser boas sem serem inovadoras.
Qualquer brasileiro que ligou sua televisão na época pré-natal de 2007 viu algum dos comerciais do CD Queen Collection, que foram bem feitos e devem ter vendido muitos CD's. O que é o interessante disso? "Dá" até para imaginar a cena, em alguma cobertura de um grande prédio comercial de uma metrópole como São Paulo ou Rio de Janeiro, vem a reunião que marcará o lançamento de uma nova idéia, ou mais precisamente, o relançamento de uma boa e velha idéia.
De um lado da mesa o diretor de uma grande gravadora, uma Universal, uma SomLivre. Do outro, o C.E.O. de uma rede de informações, como a Warner Channel (que passou comerciais de um seriado chamado Studio 60 ao som de Under Pressure, do Queen, por boa parte de 2007, prevendo o renascimento da banda) e eles discutem a troca de "favores" (com "s" cifrão), pela troca de serviços.
Alguns dias depois o mesmo diretor da gravadora chama ao seu encontro alguns funcionários de alto escalão de empresas diversas de telefonia móvel, alguns apertos de mão aqui, algumas reuniões ali e está decidido que após o lançamento da coletânea o principal comercial da rede Claro de celulares usará outra música da banda em questão, a música A Kind of Magic.
E pronto, eles já estão criando uma espécie de Brain Storm (o lançamento de uma idéia em várias pessoas) em alta escala, isso já prevendo a vinda do filme sobre Freddie Mercury (vocalista do Queen), que contará com a atuação de Johnny Depp, que já é um fenômeno por entre as idades de 13 ~ 20 anos pela trilogia Piratas do Caribe (que não se compara a outros grandes filmes do Johnny Depp, mas isso não vem ao caso).
É incrível como isso é feito, "eles" pegam uma banda velha, com músicas velhas e imagem velha e consequem fazer dinheiro em cima, seja por um ótimo presente de natal, por um filme, ou pela união de várias campanhas publicitárias que acabam se aproveitando entre si. E todos ganham, é magnífico. Não digo para vocês que é algo imoral ou ilegal, e sim que é algo que merece ser levado em consideração, como essas campanhas publicitárias e produtos conseguem recriar uma idéia praticamente morta (a apreciação pelo Queen, no caso) e utilizá-la por vários públicos alvos para fazerem dinheiro, é realmente incrível.

Outras campanhas que também me chamaram a atenção foram o novo comercial dos postos Ipiranga e o anúncio do produto Hot Pocket, da Sadia.
A propaganda da Ipiranga é realmente um auge televisivo. Realmente. Em uma época onde tudo o que se precisa para se vender um produto é colocar mulheres seminuas na televisão, onde geralmente o papel do obeso, do feio, é algo cômico e nunca o personagem principal, como o obeso alvo de piada na propaganda do protetor solar [que me fugiu o nome agora] ou o personagem feio que se tornava bonito ao entrar em um Fiat Palio, a Ipiranga colocou uma mulher obesa (realmente obesa, nada de "gordinha") para representar a consumidora de gasolina, que confia no produto que está comprando. O comercial tem lá um toque de humor sarcástico com a mulher quase caindo de um colchão no começo da propaganda, mas já é um começo*.
Não se enganem, não faço parte da população obesa desse país e não seria por isso a razão de postar esse artigo, mas uma boa parte da população brasileira faz parte desse grupo, e geralmente é ignorada nas campanhas publicitárias.
O anúncio da Sadia que me chamou atenção foi publicado na revista Veja, de forma a ser destacado e colocado no microondas para que a imagem do produto surja através da temperatura, algo interessante e que consegue mostrar o produto com uma clareza, sem deixar de mostrar a simplicidade em que o produto é esquentado.
Me veio a idéia de um anúncio de fornos elétricos, em que o texto que apareceria após o tempo no microondas seria algo como: "Esse papel possui alumínio, você acabou de danificar seu microondas, se você tivesse um forno elétrico você não precisaria se preocupar com isso." Claro, seria algo completamente nonsense e teria lá suas críticas, também haveria depoimentos emocionados de pessoas para jornalistas dizendo terem perdido microondas de anos e anos atrás, mas umas indenizações e pronto, a notícia se espalharia pelo Brasil inteiro, e em poucos meses a maioria das casas populares teriam adquirido um forno elétrico, tal como dizem: "Qualquer publicidade é boa publicidade".
É incrível como em todos esses casos a publicidade tem um impacto forte na sociedade.

O segundo assunto do post é sobre a representação da cota social no brasil, a Ministra da Igualdade Social Matilde Ribeiro, que foi deposta por usar seu cartão de crédito em bares e restaurantes como "emergência nacional", gastando mais de 170.000 reais.
Vejam só que beleza, a representação mais forte da idéia da Cota Social (me pergunto se seria mesmo "idéia", considerando que é anti-constitucional eu diria mais que é um crime, um erro da União por parte de políticos que se aproveitam dessa população para ganharem votos) desperdiçou a sua carreira ganha através de - veja só - cotas sociais, praticando esse crime, é realmente inspirador para jovens de classes consideradas inafortunadas que acreditam na cota.
Agora não se enganem, eu realmente sou preconceituoso, falo isso com todas as letras, que venha o chefe da polícia me prender na minha própria casa por expressar minha opinião se for o caso. Não sou preconceituoso em relação a negros, asiáticos e afins, sou preconceituoso a toda e qualquer pessoa que diga apoiar cotas sociais, pois afinal o preconceito é a pré-imagem de uma pessoa, e eu tenho a pré-imagem de que todos que acham a cota social algo certo serem ignorantes, pois ignoram o bom-senso (para não falar "ética") e a Constituição.
Afinal, já virou praxe tal frase, mas de qualquer forma: Viva o Brasil!

*Procurei um link de vídeo dessa propaganda para colocar aqui, mas o público brasileiro está mais interessado em fazer upload de justamente as propagandas que contam com as mulheres seminuas e afins.

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domingo, 3 de fevereiro de 2008

O gênio.

-A vontade do pai! A vontade do pai?!
-É irmão, e se ele quer nós o faremos.
-Sim... - Assentiu o irmão mais novo, impedido pela falta de argumentos e pela tristeza do óbito.
-Sabe - falou o irmão mais velho, quebrando o silêncio -, as vezes acho que foi por isso que ele desenhou essa sala assim, desde a sua criação.
-"O pai" era inteligente, e sabia arquitetar suas construções como nenhum outro, mas pensar que ele tinha organizado tudo isso, desde tão cedo, bobagem!
-Você Marcos, não acha que ele poderia ter pensado nisso desde a construção desta casa?- Indagou o irmão maior ao sócio de longa data de seu pai, único homem a confiar a missão do dia.
-Talvez, quem sabe. - Falou o homem demoradamente, demonstrando sua tristeza.
Alguns minutos de silêncio.
-Ei, sabe essa idéia "do pai", de continuar existindo depois de...
-Sei. - Respondeu o irmão mais velho, cortando a frase que poderia muito bem não terminar, naquele momento encarar a mortalidade era uma missão difícil a seu irmão caçula.
-Então, é isso que me deixa injuriado, se ele realmente acredita nisso, ele não deveria estar lá, no enterro que foi preparado? Todas aquelas pessoas, aqueles discursos belos e honrosos, e no altar aquele caixão vazio. Aquele maldito caixão vazio.
Nenhum dos homens sabia o que dizer naquele momento, talvez nenhum estivesse totalmente em paz com o que estavam fazendo. Mais alguns momentos de silêncio.
-Olha esse piso, Bruno. De todas as suas construções perfeitas, impecáveis, esse piso sempre foi dessa forma, sobressaltado, e não foi só uma ou duas pessoas que me perguntaram o porquê disso, o porquê dessa única falha entre tantas obras. O pai sabe do que faz, ele mostra agora para nós que ele é impecável em tudo, e mantém sua humildade em mostrar somente a nós. - Falou o irmão mais velho, certo de que o seu pai já tinha arquitetado aquela situação anos atrás, naquele piso sobressaltado da casa que era certamente a mais bonita da cidade em que moravam.
-É o pai mesmo, tão genial e humilde. - Respondeu o irmão entre tristeza e aceitação.
Então os três homens, os irmãos e o sócio, realizaram o último desejo daquele que já tinha sido a pessoa mais brilhante que tinham conhecido, moveram o caixão contendo o corpo sem vida, o caixão verdadeiro, até a abertura recente do piso sobressaltado daquela linda casa, enterrando o homem naquele lar em confidência e humildade, de acordo com o falecido para "existir eternamente na vida de todas as pessoas que morarem na casa que um dia foi minha e que é minha melhor obra".
E fecharam a abertura no piso, encarcerando o gênio em seu destino escolhido, questionando-se se eles haviam cruzado a linha tênue que separa o genial do insensato, todos aflitos e decididos em manter esse segredo, como haviam prometido.

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sábado, 2 de fevereiro de 2008

A futilidade, o esforço dos segundos e a Record.

Primeiramente vou começar esse artigo com essa idéia: Estamos em um mundo fútil. Atenção, é uma idéia, não é um fato. Esses dias eu estava passando por entre os canais de minha televisão quando vou à MTV e me deparo com um anúncio de um programa novo com os dizeres: "Marimoon, a blogueira mais famosa do Brasil agora na MTV". Então fui ansioso ao Google pesquisar qual seria o blog dessa tal de "Marimoon", que para ser a blogueira mais famosa do Brasil teria de ter umas "pirações" muito inteligentes e teria de escrever muito bem, pensei eu. Com o título do artigo não preciso dizer mais nada não é? Adivinha se não chego ao tal blog da infeliz e não encontro um fotolog (vulgo playboylog) de uma mulher tirando foto dos seus cabelos rosas*? E o pior, tem gente que vê isso. Muita gente!
Nossa esse mundo é fútil demais. Pensei ter atrasado a publicação dessa divagação mas vejo que publiquei na data certa (ou "certinha", para meus compatriotas curitibanos): o Carnaval. Alguém por favor pode me explicar por que uma celebração em que mulheres vão para exibir seus corpos (leia-se: agirem feito vagabundas, ou meretrizes, para manter o bom português) e homens vão para a prática do "beijo roubado", que seria crime em qualquer outro lugar do mundo, governado por pessoas sãs, é considerado um feriado nacional? "Tá" certo, o turismo é forte, tem um impacto bom para a economia, mas será que os milhões em investimentos e a ridicularização do Brasil mundo afora não compensa na balança? Isso sem contar o costume de certos povos nordestinos de terem 38 carnavais por mês, mas isso já é um problema social e não de futilidade.
O maior fenômeno da Internet brasileira (que não é brasileiro) é o Orkut, que claro, pode ser usado com seriedade e como um serviço excelente de envio de mensagens, mas não é pequena a quantidade de gente em comunidades como: "Eu nunca morri na minha vida" com 467.560 membros, ou "Eu Tomo Banho Pelado!!E Você?®" com 670.759 membros, ou o melhor, "Eu tenho Orkut!!!" com 335.788 membros.
Eu também tenho orgulho em dizer que meu blog não entra na onda acéfala de blogs extremamente fúteis que tratam de assuntos importantíssimos de serem publicados como "Meu cachorro ficou doente" ou "Amanhã aulas às 10.10 com avaliação de ginástica. Espero conseguir fazer as coisinhas todas certinhas, porque se há coisa em que eu insisto em ter boa nota, é em ginástica!"**.

Estou seco a falar mais da futilidade alheia, retomarei em outro artigo, vou passar ao segundo assunto: Como é incrível o esforço dos segundos lugares em se manter em segundos!***
Faz alguns meses que vi a capa da revista Época com a foto de Luciano Hulk e os dizeres: "Ele merecia ser roubado?" e "O que o roubo do artista diz da alma dos brasileiros" (ou qualquer coisa assim, eu lembro que "merecia" e "alma" estavam na capa). Isso foi na época que esse artista tinha sido roubado e tinha perdido seu Rolex, e ao escrever do assunto, injuriado, obviamente, ao jornal O Estado de São Paulo, esse teve uma reação similar a uma vaia dos leitores, como se ele merecesse perder seu Rolex (claro, afinal todo ladrão é Robin Hood!). É numa capa dessas que se vê que a Época nunca atingirá o patamar de publicação de uma Veja ou de uma SuperInteressante (essa última que hoje me surpreende ainda estar vendendo, com suas reportagens do estilo "Como se proteger de alienígenas usando sal").
Primeiro: Ninguém que mantém um trabalho honesto nunca mereceu e nunca merecerá ser roubado, uma revista nunca poderia colocar uma questão dessas a discutir, e segundo: "Alma", que "alma"? Alma é artifício de vender estória para criança e "passagem para o céu", é incrível, existem tantas palavras ou expressões que poderiam substituí-la, mantendo um nível de seriedade para a revista, como "consciência", "senso vingativo" ou "instrução", mas não, segundo lugar se esforça para se manter em segundo.
Outro segundo lugar que se esforça incrivelmente, mas ainda assim vai acabar por tomar primeiro é a rede Record, é incrível, eles compraram seriados bons, compraram desenhos bons, contrataram jornalistas bons, produziram novelas boas (para quem gosta) e você liga em um horário que ultrapasse a programação normal, em torno de meia-noite, e estão praticamente passando exorcismo na televisão. É incrível, eles compram o que faz sucesso nas concorrentes e em horários tardios eles baixam o nível da programação.
Aliás, eu já fui muito de odiar a globo, sou fã número 1 do "Muito Além do Cidadão Kane", documentário que fala, entre outras podres, de como a Globo ajudou a instaurar o regime militar no Brasil, não cobriu revoltas contra o regime militar em seus jornais da época e como tirou o regime do Brasil quando lhes veio a convir. Mas se vocês acham que estamos mal, no reinado de Edir Macedo será muito pior. Muito mesmo.
Atualmente o dono (ou dono majoritário, não me recordo) da Record, Edir Macedo, tem aquela rede pequenina de templos, a Igreja Universal de Reino de Deus, que existe em mais países que o McDonalds, e ele transforma em torno de 70% do capital recebido da Igreja Universal, capital que vêm sem impostos, em patrimônio da Record, ou seja, patrimônio dele. Em um prazo de meros anos nós teremos a maior rede de televisão brasileira cultuando prece e praticando exorcismo. Viva o Brasil!

*Disponho para vocês uma análise da Marimoon com coisas interessantes como o fato de ela ser comunista e vender bijuterias em seu blog, e cursar faculdade de moda.
**Teclei "emo blog" no google para achar isso, prometo a vocês que eu não tinha esse link horrível anteriormente.
***Entenda-se segundos como os abaixo dos primeiros, sem considerar se são os segundos, terceiros, quartos...

Update: Na noite de sábado de carnaval o SBT exibiu um dos filmes da trilogia O Senhor Dos Anéis, fugindo da programação normal da época, de samba e genitálias, e deve ter conseguido uma audiência alta, aí está um segundo lugar que não se esforça em se manter em segundo, apesar dos "A Praça é Nossa" e afins.

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domingo, 27 de janeiro de 2008

Penso logo escrevo / Como e porque sou conflitante*.

Segue minha nova descrição de perfil:
Escrevo com dolo** sincero. Dolo esse que me arranca os escrúpulos e idolatra a expressão. Dolo que improvisa meu direito de opinião, esse passando a se barrar somente a limites legais e não a visões de terceiros ou ao tempo da voz. A minha escrita ultrapassa a voz onde o meu pensamento reverbera infinitamente, entre mentes conhecidas e desconhecidas, entre a criação e o depois, e não somente no tempo único da voz sem eco ou reprodução.
E nesse hábito, saudável, eu diria, o pensamento contínuo se marca na consequência e no autor, que contempla sua obra como parte de si, tal como vejo meu contentamento sobre minha escrita da mesma forma de que o homem de paletó vê contentamento em sua prática, ou o condenado vê contentamento em sua liberdade.
E nessa análise da obra vejo que o fruto dessa pode tardar a vir, mas que o êxtase é instantâneo e ao mesmo tempo duradouro.

*Fiquei em dúvida quanto ao melhor título e empreguei os dois, o primeiro dispensa descrição e o segundo é menção a obra "Como e porque sou romancista", de José Alencar, que tratava de sua escrita romântica com romantismo, da mesma forma que eu trato minha escrita como conflitante.
**Em termos legais "dolo" significa a intenção e o consentimento da negligência, da fraude (como o homicídio doloso, de dolo diferencia do culposo, de culpa), nesse artigo eu o uso como o consentimento da ação de pensar e escrever, que leva a palavra "sincero" para esclarecer que não vem da intenção de fraudar, e sim de expressar.

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quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

A torta de abacaxi.

"Amor, você trouxe a torta de abacaxi que eu gosto?" Falou alto sua mulher, saindo do banheiro com a toalha em seus cabelos, irrompendo em um baque os pensamentos do homem, que só pensava no livro, questionando se havia montado certo o dispositivo.
O homem relutou, dizendo estar cansado de seu trabalho, queria descansar, mas sua mulher insistiu que ele saísse para ir buscar a tal torta. Não era surpresa, ele sabia o que o aguardava, tinha premeditado a situação. Vestiu seu paletó e começou a andar, e enquanto saía de seu quarto sentia a ansiedade se tornando presente em seu corpo.
Detestava o homem sua casa, seu covil particular, mas pouco se importava, iria se sentir bem em alguns minutos. Tentou trocar algumas palavras com sua filha antes de sair, tentativa falha, já que essa tinha toda a sua atenção presa a seu computador e toda a vida que esse continha. E o homem não se via em sua filha da mesma forma que não se via naquela casa, mas isso pouco importava naquela hora.
Saiu da casa e ao fechar da porta viu que nada mais o impediria, já havia traçado seu objetivo para aquela noite e não mudaria seu cronograma. Sentou-se em seu carro, sua ansiedade agora crescia, e ele dirigiu até a praça perto de sua casa, como planejara.
Então o homem saiu de seu carro e andou até um banco da praça, onde sentou, observando atento o movimento ao redor, e foi quando avistou o banco que estava procurando com os olhos, do outro lado da praça, e viu um homem sentado no banco em questão, um homem de terno, lendo um jornal. Por um momento pensou: "Um homem como eu." Mas logo concluiu que isso era um tanto improvável.
Então, como havia previsto, ele levou a mão ao bolso e tirou o pequeno controle, controle que havia montado algumas horas antes, suas mãos tremendo não de medo, e sim de excitação, como as mãos de uma criança prestes a receber um presente. E então ele mirou brevemente o controle com os olhos e apertou seu botão.
O som da explosão ecoou pela pequena praça, os homens e as mulheres que estavam perto do local, que agora pouco lembrava o banco de madeira que um dia foi, transitavam para longe do mesmo e se perguntavam, alguns aos gritos, o que havia acontecido.
E o homem de paletó observou todos os acontecimentos. Não se importava com a explosão, tampouco com a vítima no banco da praça, "pessoas morrem todos os dias", pensava. O sangue e os destroços tinham lá sua beleza, sua arte, mas sua excitação verdadeira ainda não o tinha atingido.
E foi então que ele observou as dezenas, talvez centenas de pessoas que transitavam como zumbis por aquela praça, em suas rotinas cegas. Todas elas, sem exceção, haviam sido atingidas pelo espetáculo da noite, todas elas haviam recebido um baque em suas consciências, aquelas pessoas que andavam com pressa, pensando no trabalho, na família, escravas de suas próprias rotinas impensadas, todas elas haviam recebido uma estória a contar, uma nova perspectiva de vida, um motivo a faltar o trabalho, mas principalmente, todas elas haviam recebido uma surpresa, e o homem de paletó viu o presente que ele havia dado a todas essas pessoas, e isso o encheu de contentação, mais do que isso, ele se viu repleto de uma sensação de missão cumprida.
Mas o homem de paletó não podia pensar no espetáculo que causara a todas aquelas pessoas, ou como aquilo o fazia sentir-se bem, tampouco podia pensar no livro sobre explosivos que se encontrava em sua pasta, ele tinha de aproveitar aquele momento por só mais alguns segundos, somente mais alguns segundos de prazer e liberdade, antes de ir comprar a tal torta de abacaxi e voltar para a sua casa.

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sábado, 19 de janeiro de 2008

O entre-eras e bastante empreendedorismo.

Estou atualmente num bloqueio de criatividade então não me resta opção que não seja falar do entre-eras que é a minha geração, nessa época atual, que é o que está na minha cabeça ultimamente. É difícil me expressar nesse assunto em específico pois são muitas idéias que se entreligam por linhas impensáveis (isso mesmo, impensáveis), mas vou tentar me explicar.
O que é o entre-eras? Bom, o entre-eras especificado é o vácuo que existe na vida social de um indivíduo normal (leia-se, que não segue a manada, mais detalhes nos próximos parágrafos) na faixa etária de 14 a 17 anos atualmente na sociedade e pela sociedade, um exemplo bom é dizer como a fase entre você fazer um aniversário num McDonalds e um aniversário "no bar". Essa fase é atualmente uma condição desses indivíduos de não serem mais as crianças que já foram e os adultos que virão a ser, inibidos, esses, na condição de serem menores de idade, entre outras.
Deixe-me exemplificar melhor: Hoje em dia se um grupo de amigos de 16 anos quiser sair para jogar sinuca de duas uma, ou eles vão a um bar onde seja "proibido" a entrada de menores, correndo o risco de levar uma "batida" da polícia local ou eles vão a um estabelecimento familiar, como um Boliche & Sinuca e se sujeitam a estar em um ambiente possivelmente inferior. Também se o mesmo grupo resolve sair para um pub (estilo de ambiente social parecido com um bar, muito famoso na Inglaterra), por exemplo, acabam se deparando com a frase de praxe: "Somente acompanhado dos pais".
Não é de hoje que o brasileiro tem uma visão empreendedora defasada, mas existem tantos investimentos para públicos-alvo distintos e mesmo assim essa população de pré-universitários que possuem um poder monetário relativamente alto através de dinheiro dos pais ou mesmo de trabalho, da faixa da classe média/média alta não possuem a devida atenção do mercado.
Acordem empreendedores, esse povo de 14 a 17 anos está precisando de um lugar para simplesmente ir e conversar! Hoje em dia essa faixa tem entre seus programas-comuns festas no estilo de "Clube do tal lugar", "Festa de não-sei-aonde", onde esses jovens pagam R$20,00 , R$30,oo , R$40,00 para ir num lugar dançar músicas diversificadas e "ficar" com jovens do outro ou do mesmo sexo e eu já pensei que eu era o único a achar que eu não pertencia a esse mundo infantil e sujo, que eu não achava isso algo legal, em querer simplesmente sair para conversar com amigos, mas hoje vejo que muitos conhecidos meus tem essa mesma visão, esse mesmo desejo de serem tratados como adultos e não como crianças.
Fazer um estabelecimento de sucesso não é difícil, "taí" uma abordagem muito simples de atingir esse público alvo, o empreendedor compra um imóvel simples e coloca um nome de fachada igualmente simples, nada que pareça muito "arrumadinho" como "Garagem" ou "Canto do Jovem" com a descrição: "Organizamos eventos para jovens entre 15 e 20 anos". Pronto, acabou, você já tem um sucesso em suas mãos, esses jovens que costumam ser tratados como crianças e impedidos de ir a estebelecimentos para maiores utilizariam essa noção de - falsa - liberdade para gastar dinheiro em eventos como aniversários sem a "familiarada" ou comemorações em geral entre amigos, basicamente, o lado social de um típico bar para uma outra faixa etária ignorada pelo mercado e cheia de capital a gastar.
O que eu não vejo de grupos de amigos que saem de colégios e que querem sair ou que querem sair no fim de semana ou na época de férias e querem se reunir em um local tranquilo para passar um tempo não é pouco, isso que eu não estudo em um colégio particular, onde estão os verdadeiros gastadores, esses com certeza estão procurando um lugar pra passar - e gastar - o tempo.
E voltando ao empreendimento, o mantimento desse local seria algo muito simples, o jovem chegaria e pediria por exemplo "Eu quero fazer um aniversário, quero uma mesa de sinuca e dardos" ou "Quero uma festa para mim e minhas amigas, poder acender uns incensos e - sei lá - tomar chocolate quente". Pronto, você tem uma idéia de empreendimento, pelo simples ato de tratar um jovem como um adulto, você vai, move a mesa de sinuca, a mesa de pebolim, o jogo de dardos, o fliperama, ou seja lá qual for o tema que o cliente escolher do armazém nos fundos do local e no fim da noite você coloca de volta, ponto final.
É incrível como se pode utilizar termos de responsabilidade em um negócio como esse para lidar diretamente com o cliente pedindo a sua assinatura e a dos pais, sendo que os pais não precisam estar presentes no dia do evento. Tais termos também podem ser usados para que se algum maior compareça em um evento esse possa assinar que as bebidas alcoólicas que virão a mesa/salão serão para ele, e a partir disso o estabelecimento perde a responsabilidade legal de para onde vão as bebidas, ou seja, se um garoto sair de lá vomitando a culpa é de quem assinou, muito simples.
Outra opção de estabelecimento para essa faixa etária seria um pub organizadinho, bem decorado, com mesas e locais bastante separados e com sofás, para deixar os clientes com uma sensação caseira e em uma parte da mesa uma daquelas entradas USB e entradas de cd/dvd comunicando com o som para a mesa, com o volume regulado pelo estabelecimento, claro, onde o cliente chega, coloca o seu mp3 ou o seu cd/dvd e escuta suas próprias músicas, de forma que não escute as do vizinho, pronto! Esse diferencial já é suficiente para fazer um ambiente popular, o mesmo diferencial que fará com que seus clientes comentem e divulguem o local, ou seja, pronto, você já tem um sucesso em suas mãos, sendo para atrair o público universitário ou o mais jovem.
Falta para o empresariado brasileiro esse ato de pensar a frente de suas cabecinhas fechadas, é incrível como uma idéia dessas pode dar certo, principalmente o lance do USB, se um bar/pub na cidade fizesse isso e garantisse essa liberdade para o cliente eu não daria 6 meses até que a idéia se dispersasse por outros estabelecimentos em toda a cidade (e eu ficaria muito orgulhoso e manteria esse artigo para provar minha autoria, claro).
Está na hora dos jovens notarem que não precisam ir para "baladinha" para se divertir, está na hora dos empresários brasileiros perceberem que esse público alvo está gastando dinheiro em lojinha de Shopping e baladinha sem graça e precisando de um lugar para se reunir, está na hora do brasileiro começar a abrir a mente.

O artigo acabou sendo mais empreendedorismo e menos entre-eras, mas acredito que teve lá sua beleza. Ainda peço para quem lê que poste comentários.

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segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Score, e mais algumas coisinhas.

Segue meu score da primeira e segunda fase da UFPR, considero um score muito bom levando em consideração que sou treineiro e não estou na idade de entrar em faculdade.
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Ah, e as outras coisinhas, bom, ontem descobri que meu pai tinha conseguido score suficiente para passar em uma faculdade pública em São Paulo, quando ele prestou, anos e anos atrás, mas por medo de não passar acabou fazendo inscrição em uma particular e um ano depois veio para Curitiba, e posso dizer tranquilamente que se ele tivesse feito a escolha certa na hora eu não existiria.
Isso foi só para dar a noção de como nossa existência é não só um acaso mas como é frágil em termos de acontecimentos. Claro, talvez 50% da minha genética estaria em outro filho de minha mãe, considerando que ela me teve em uma idade normal de reprodução, mas os outros 50% provavelmente não teriam atingido a vida.
Não espero atingir religiosos com essa divagação, tanto como se eu começar a especular e especular poderia dizer que se meu avô tivesse um par de tetas eu teria três avós, e se vaca voasse chovia leite.
Esse artigo começou com a idéia de ser um artigo curto, doce ilusão, citando meu companheiro Agenor de Miranda Araújo Neto: "Sempre fui perfeito para fazer discursos longos. Fazer discursos longos sobre o que não fazer. Que é que eu vou fazer?*". Mas a base do artigo é realmente uma idéia forte. Quais são as chances de que nossos dois pares de 23 cromossomos terem se encontrado? Quais são as chances de realmente nos tornarmos vida ao invés de puro carbono, o mesmo do grafite e do diamante?
Não só nossas estruturas de ossos e músculos são frágeis como também nossa pré-existência em razão da existência em si.
Não pense de forma errônea, a vida não é um acaso, considerando o Universo como algo infinito era somente questão de tempo até a vida surgir, em um ambiente ou outro, um planeta ou outro, mas a nossa existência, como indivíduo**, é nada mais do que um acaso, um magnífico acaso.

*Cazuza - Boas Novas.
**Estranhamente a palavra "indivíduo" não significa cidadão, significa algo como "indivisível", algo que perde sua finalidade se dividido, um copo por exemplo é um indivíduo, e essa palavra foi perfeita para se usar na frase pois cria a sensação de pura existência, sem usar de noção de vida ou elemento da sociedade.

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sábado, 12 de janeiro de 2008

Em terra de cego quem tem olho é... conflitante.

Hoje eu vi o filme "Eu Sou A Lenda", onde o personagem principal está sozinho em um mundo devastado por um vírus que matou 90% da população e deixou a maioria restante em sintomas similares ao da raiva. O interessante do filme para mim não foi isso, não que o filme seja ruim, foi que em uma cena, um humano (se é que esse tem o direito de portar tal palavra) infectado, raivoso e doentio como os outros que apenas mordiam e pulavam em vítimas, soltou alguns cachorros também infectados e igualmente transtornados para atacarem seu alvo, e naquele momento notei que esses seres infectados compartilhavam entre si uma convivência similar a humana, a mesma convivência notada em outras partes do filme onde esses seres apresentavam traços de liderança e estratégia.
Aí que veio a divagação, e quando vem ela tarda a sair embaladinha e arrumadinha nessas palavras que você está lendo. O personagem do filme analisava o comportamento dos humanos infectados como uma anti-evolução social, algo como uma anti-evolução humana, e é aí que me pergunto: o quanto nós estamos infectados?
Pense por um momento que no meio de São Paulo capital surgisse um homem que aparentasse como outro qualquer, mas que andasse de forma lenta, não tivesse pensamentos ambiciosos ou agressivos, e fosse muito, muito calmo. Agora pense que esse homem fosse atravessar uma rua altamente movimentada para tomar um café do outro lado, ou que ele resolvesse sentar na mesma rua para ver o sol se pôr. Qual seria a nossa reação a tal atitude? Ou melhor: qual seria a visão dele de nossas atitudes?
No melhor cenário ele seria ao menos arrastado para longe da rua, no pior ele seria assassinado por não funcionar no tic-tac do sistema. E como ele veria isso, veria da mesma forma que vemos esses seres ficcionais do filme, infectados? Raivosos? Anormais?
Uma vez me falaram a tal frase que muitos já devem ter ouvido:
Em terra de cego quem tem olho é rei.
E nessa análise, quem possui o olho? Nós ou o nosso visitante super calmo? Quem tem a razão ou a superioridade moral para falar em como o outro deve agir, ou seja, quem tem o poder de julgar?
Primeiramente vou esclarecer que não acho que estamos infectados de forma alguma, falei de forma hipotética, e em segundo lugar: essa anedota está completamente errada, quem tivesse o olho nunca, nunca seria rei, como os outros veriam essa visão, como a entenderiam?
Outro filme que também deve ser levado para essa divagação (para quem ainda não sabe eu sou um cinéfilo*) se chama "Um Estranho no Ninho" e trata de algumas estórias que se passam em um manicômio na década de 1960, onde ainda se praticava a lobotomia, que é basicamente pegar um doente mental considerado agressivo e realizar uma incisão em seu córtex frontal para que ele se torne manso, ou seja, abrir um buraco na cabeça de um doente para que ele se torne um retardado, perca a abilidade mental de falar, pensar e urinar no vaso sanitário, entre outros. Quantas pessoas perderam suas faculdades mentais por essa prática no tempo em que ela foi considerada correta? Aliás quantos doentes perderam suas faculdades mentais?
Não só a prática da lobotomia é uma prática imoral, quantas pessoas sãs ficaram todas as suas vidas presas em manicômios por thinking outside the box**? Um exemplo disso foi o homem considerado louco que acreditava na existência de germes e falava deles e as doenças que esses germes podiam causar, claro, alguns séculos depois descobriram que o homem estava certo, mas até lá ele já estava morto e já havia passado sua vida trancafiado (fato falado no filme "Os 12 macacos", um filme muito bom, muito misterioso).
A que ponto chega a capacidade humana de julgar por sua prepotência e pseudo-superioridade moral? Temos realmente o direito de dizer quem é louco e quem é são? A história nos diz que não, que podemos muito bem estar errados. Temos o direito de utilizar nossa idéia de superioridade moral pra transformar a Terra como bem quisermos sem se importar com os outros moradores ou mesmo com os outros humanos? Nesse quesito a própria lógica diz que não. Por exemplo, nós temos uma ciência que já chegou a descobrir que os outros mamíferos possuem um sistema nervoso similar ao nosso, e ainda assim colocamos um cabo USB na cabeça de um felino pra saber se o último lote de ração está agradando ou não, desconsiderando o fato que sabemos que está causando dor! E além disso sabemos por lógica que a natureza viveria sem nós, e que eles são mais merecedores da vida do que nós que somos destruidores natos, mas continuamos a destruir e a reproduzir.
Não se engane, somos todos cegos, eu inclusive, o título foi só para chamar atenção e citar a idéia do texto, e claro, a ceguisse tratada é relativa. Não somente somos cegos como ainda vedamos o que temos de visão, nesse caso mentalidade e consciência, constantemente, a fim de justificar atos que sabemos que são errados, desde queimar gasolina tendo consciência do aquecimento global até a utilização de bombas nucleares.
Não proponho que ninguém se rebele agora, que vire contra a humanidade, nao proponho nem que entendam tudo o que eu quis expressar, só tenho o desejo de que você leitor veja a vida de forma diferente, aliás quem sabe se um de vocês não tenha um olho enquanto todos os outros sejam cegos?

Agora que coloquei o contador de visitas no meu site tenho alguma noção da divulgação dos meus artigos, e peço para quem chegou a esse link e teve paciência para ler um post por inteiro que faça a gentileza de postar um comentário, que são o instrumento que me incentivam a postar.
Ontem foi o aniversário da minha comentadora oficial, e como um presente adicional escrevi esse post com idéias anti-violência a animais para que ela possa comentar a vontade.
E também para quem me conhece peço que não comentem falando meu nome.

*Cinéfilo: amante do cinema.
**A expressão americana thinking outside the box significa algo como "pensar fora do normal, do previsível", utilizada para incentivar criatividade.

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domingo, 6 de janeiro de 2008

Toyota salvando o planeta e o fiasco do Grand K.

Quem nunca soube do chamado Prius, o automóvel verde, o carro das celebridades e dos que querem um mundo menos poluído, e não foi atingido por uma certa revolta, uma incerteza de que a montadora fazia esse espírito verde, essa imagem da não-poluição somente para ganhar dinheiro, sendo que a montadora japonesa tem o carro mais vendido do mundo, o Corolla, que deve poluir um bocado. Mas de qualquer forma hoje meus amigos, eles me convenceram, eles são mesmo verdes!
Ao folhear a revista Veja* eis que deparo com tal reportagem de que o gerente de controle de qualidade da produção do Prius, na montadora Toyota na província de Aichi, no Japão, morreu por excesso de trabalho (Edição de 9 de jan., página 78). E pergunto-me, como, como uma empresa que se diz verde, ambiental, realizaria o ultraje, o crime, por assim dizer, que seria colocar um homem trabalhando mais de 80 horas extras (horas extras é eufemismo, ele e outros trabalhadores entravam em turnos sem remuneração, em completo voluntariado no maior estilo "ou trabalha ou é rua") todo mês por seis meses até que esse caísse fulminando em pleno expediente, às 4 horas da manhã e não mais levantasse?
Ora, é claro que a única explicação lógica não é que a empresa capitalista se aproveita de seus funcionários para diminuir o custo de seus produtos ao mesmo tempo que se aproveita de seu público ambientalista para vender um conceito, pois o Prius não é elétrico, é um semi-elétrico e sim que a única explicação lógica é que a Toyota em seu âmago de sua consciência ambiental passou a assassinar seus funcionários!
Vejam que genial, pra que investir em carros menos poluentes, sendo que seus funcionários utilizam energia todo o dia, produtos químicos, garrafas pet e isso tudo carregando o símbolo da Toyota e manchando sua reputação, vamos matá-los! Cada funcionário morto é uma quantidade de energia que não será queimada diariamente, uma quantidade de alimentos que não será consumida!
Eu até imagino o diretor da Toyota japonesa em uma entrevista com a mídia mundial, falando de suas ações com frases como "Aquele puto nem assistiu Uma verdade Inconveniente**" ou "Maldito, nem se deu ao trabalho de utilizar o Google Preto***!" e quando questionado sobre ações futuras seus olhos sonhadores brilhariam e ele falaria coisas como "O próximo passo é assassinar nossos clientes, não com bombas nos Prius, é muito CO2 na atmosfera, colocaríamos agulhas com HIV nos bancos, agulhas reaproveitáveis, claro" tudo isso antes de se jogar de sua janela ao final da entrevista, como ato de revolta a toda a energia que já tinha gasto em sua vida.
Você acha isso impossível? No Japão já devem estar espalhando cartazes com fotos do Prius em frente a florestas e os dizeres "Você é o próximo" e "Precisamos de funcionários, mande-nos seu currículo e gasto diário de KW".

Acho que o sarcasmo já disse tudo do assunto, mas agora passando para outro, na mesma revista, fiquei espantado com a matéria de que o Grand K, o cilindro metálico que representa 1Kg guardado a sete chaves no Bureau Internacional de Pesos e Medidas na França está perdendo peso!
O Ser humano é um ser tão peculiar que no auge de sua modernidade, matemática e física, criou uma instituição com o intuito de guardar tal incrível cilindro que é a referência para balanças no mundo todo, e o cilindro perdeu peso! Será que não vêem o quão patético é isso?!
Outros dados da reportagem dizem que o mesmo Bureau havia criado um objeto metálico para representar o metro, e que seria difundido no mundo, e no século XX começou-se a buscar uma definição para o metro que "não dependesse de um artefato físico e que fosse baseada numa constante fácil de reproduzir", e então estabeleceram o metro como "a distância percorrida pela luz, no vácuo, no intervalo de um segundo dividido por 300 milhões".
...
Tenho de lhes dizer Bureau, vocês realmente trouxeram a simplicidade!
E agora com o fiasco do Grand K estão procurando algo que o substitua, eu iria repassar aqui as coisas super simples que estão querendo atribuir como um Kg, como a quantidade de átomos de silício numa esfera de cristal, mas a mudança da noção do metro já dá pra dar idéia dos projetos desses franceses malucos. E é nessa hora que eu vejo minha garrafinha de água de 1 litro na geladeira, olho pra um lado, olho pra outro, e penso "Não, não, não aceitariam, seria simples demais".

*Sim, eu tenho vergonha de dizer que leio uma revista que faz fortuna em esquerdismo barato, nessa edição, no caso, foi uma reportagem de duas páginas sobre o botox da primeira-dama...
**Uma Verdade Inconveniente é um filme dirigido e apresentado por Al Gore que fala do aquecimento global.
***Google Preto é dentre os milhares de filhos do ambientalismo anti aquecimento global, o mais patético. Vem da idéia de que se o google tivesse um fundo preto a diminuição dos 15KW por pesquisa no Google ia salvar o mundo. E acreditem, há uma versão brasileira.

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sábado, 5 de janeiro de 2008

O Condenado.

Henrique nascera em meio a um mundo turbulento, e este pouco se lembrava de sua infância, estava vivendo em uma escola interna, indicada por sua mãe, que tratava Henrique como um rei, e o forçava a ter uma criação de rei.
Muitas vezes Henrique entrava numa guerra interna, tal como os semideuses de suas estórias de tempo de escola, onde disputavam o Henrique amoroso, que aceitava sua mãe e a vida imposta por ela, e o Henrique rebelde, que desprezava o mimo e o amor, e a vida programada que teriam, e é esse segundo, o rebelde, o livre, que deu o apelido de "Condenado" ao primeiro, que seria condenado a ter a vida que a mãe lhe impusesse.
Os anos passaram e Henrique estava passando agora para o melhor colégio de sua região, mas a ele pouco importava. Quando estava em suas aulas não dava atenção a seus mestres, e não se dedicava a nada nas dependências de suas instituições, e às vezes, nas noites de insônia, era tomado por aquela voz prudente do garoto rebelde, que o dizia para abandonar aquela vida, para ser livre e correr pelas cidades, procurando sua verdadeira vocação, e Henrique não acreditava ser rico em espírito e coragem para tomar essa vida, e foi afastando tal voz até que não mais a escutasse.
Pouco a pouco, o garoto aprendeu a aceitar aquela vida, em meio à nobreza e a burguesia, e aprendeu "jogar o jogo". Logo estava rumando para a melhor instituição de bacharelado das redondezas, e novamente não estava espantado ou feliz por tal acontecimento, somente deixou acontecer.
Os anos se passaram e Henrique viu a si mesmo recebendo um diploma, e olhando os sorrisos inertes dos mestres a que tanto desprezava, que não conhecia e não admirava, e novamente o garoto, agora homem, passou mais uma fase em meio ao desleixo, à indiferença. A alegria veio a seu encontro após tantos anos, ao pensar o que o aguardava em sua cidade natal, e decidiu ir a seu encontro.
Ao chegar à sua cidade notou que sua mãe, bastante conhecida em meio aos habitantes, aparentava não ter feito nada nos últimos 18 anos além de contar a todos sobre o filho prodígio que tinha, como ele freqüentava os melhores ensinos e como era dedicado e genial. Contava a todos como ele viria da união dela com um nobre forte e sábio, e Henrique não se surpreendeu ou tampouco veio a calar tal mentira, novamente estava aceitando uma fatia de vida embalada e entregue por sua mãe.
Não tardou até Henrique atingir a política, mal precisava falar em grandes eventos ou congregações, sua presença como o genial Henrique, o estudioso, o imensurável, já era o suficiente para garantir seu respeito, e Henrique caminhou cada vez acima, ganhando cargos e contatos, que como tudo em sua vida eram tratados com indiferença, e não lhe causavam surpresas.
Henrique beirava seus 28 anos quando começou o rumor de que estava em época de se casar, e o mesmo assentiu, como toda a sua vida o fez, e logo foi apresentado a uma moça de origem honrosa, e novamente aceitou essa nova vida, tratando sua esposa com frieza, com a mesma indiferença de todo o resto, mas agora era um homem de família e ao se questionar o porquê de sua indiferença, de sua frieza, crescia um lado incompleto em seu coração, como um vazio que não tardaria a consumi-lo por inteiro, e pela primeira vez em sua vida Henrique estava com medo, e não sabia o que fazer, não lhe passavam nova "fatia de vida" a cumprir, novos estudos a fazer, Henrique estava no controle de sua vida e isso o amedrontava profundamente.
Não tardou até chegar à sua sabedoria que um estado vizinho estaria sendo comandado por um irmão de sangue seu, e Henrique experimentou dessa vez ódio, ódio por sua mãe nunca ter lhe contado de seu irmão, e ódio pelo mesmo ter atingido tanto poder quanto ele.
Henrique pensava em seu irmão e somente nele, e como faria para superá-lo, e ao passar dos meses o ato de pensar e pensar se transformou pouco a pouco em missão, e a missão se transformou pouco a pouco em obsessão.
Já estava no comando de sua cidade, não havia cargo superior a ocupar, e sua família já tinha sido presenteada com filhos, mas Henrique não se importava, a frieza com que tratava suas obrigações era agora desleixo, e este já não se importava com seu povo e suas solicitações, ou sua esposa e seus pedidos, tampouco não havia comparecido ao enterro de sua mãe. Pouco a pouco sua obsessão por seu irmão devorou tudo o que ele havia atingido, sua esposa fugiu e levou seus filhos, o povo enraivecido o tirou do poder, e Henrique beirava o fundo do poço.
Quando esqueceu por um segundo de sua obsessão, por um mísero segundo, tomou consciência, e viu que estava sentado nas pedras da cidade que um dia havia comandado. Passaram-se alguns minutos, ou horas, ou segundos, Henrique já não sabia, e para sua surpresa, quando analisou tudo que havia perdido ele foi tomado por um forte contentamento, um contentamento viral, que o dominava por dentro e o deixava leve, leve como se pudesse voar. Henrique tentou chegar à raiz de seu contentamento, e então pensou. Seria o vazio interior que presenciara na época de seu casamento? Não, não podia ser, e então se afundou em seus pensamentos e descobriu o que inconscientemente já sabia há muito tempo. Viu com clareza aquele menino rebelde de sua infância, que olhava para a sua cara e ria, o chamando de "Condenado", debochando de Henrique e sua criação em mimo, e a vida que lhe tinha sido presenteada, e nunca obtida por trabalho ou esforço próprio.
Henrique tomou um novo estado de vida, onde compreendia cada lado do seu ser, a criação da ilusão do seu irmão, que trouxera sua ruína, e como odiava toda a vida que um dia teve, e agora o menino rebelde era homem crescido, e Henrique já era rico em espírito e coragem para poder traçar sua vida como bem entendesse. Sabia ele que naquele dia, embora velho, desgastado e pobre de riquezas, ele estava pronto para começar uma vida nova, como se tivesse acabado de sair do ventre de sua mãe, que tanto amava e odiava, e decidiu que na manhã seguinte ele iria procurar sua vocação, sua missão de vida, mas agora, naquele momento de lucidez, ele deixou-se tomar por contentamento, e apreciou cada segundo de sua queda e como havia sucedido em sua primeira e verdadeira missão, a primeira que não tinha sido dada ou cumprida para ele, e aquele contentamento passou a ser forte, forte como um touro dentro de Henrique, e ele tinha certeza, como nunca antes, que poderia ser o que quisesse, estudar a ciência que lhe ocorresse e viajar ao reino que lhe conviesse, e não haveria ninguém forte o suficiente para impedi-lo.

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