domingo, 27 de julho de 2008

Márcio - Parte 1.

I - O antes.

Um homem chega cambaleando ao balcão e diz ao atendente:
- Eu... É... Eu levantei a cerveja assim - o homem representa a ação levantando a garrafa vazia, estava muito alcoolizado - e o garçom fez que não... Não sei o que... Não importa... Me dá uma cerveja.
O atendente olha com um olhar calmo, pacífico:
- O senhor já bebeu o bastante, o que acha de ir embora descansar?
- Mas eu quero uma cerveja! Olha, eu não tou dirigin... Só me dá uma cerveja!
- Amigo, você já bebeu bastante, não vou servir mais a você, não quero problemas.
- Mas o senhor! O senhor está sendo incon... Inconsequente comigo!
- Olha o cara! Falando bonito pra se fazer de sóbrio! - Exclamou um dos clientes do bar.

O homem alcoolizado aparentava ter 20, 22 anos de idade, mas mal se aguentava em pé pela embriaguez. Olhou rapidamente para o indivíduo que havia falado, e voltou novamente os olhos ao atendente:
- Você não sabe quem eu sou, hein! Me deixa comprar essa cerveja logo! - E ao falar isso segura o braço esquerdo do atendente, que estica sua mão esquerda para dentro de uma gaveta ao lado, tateando à procura de algo.
- Amigo, não quero problemas, saia do bar. - Não havia nervosismo em sua voz.
- Você não entende, cara, não entende! Eu só quero a cerveja! - Falou o alcoolizado, mal conseguindo manter o olhar fixo. Este então levanta a garrafa que havia deixado no balcão, movimentando-a agressivamente contra o atendente, e continua - Me dá essa cer... Me dá uma cerveja, cara!
- Eu peço que você se afaste do balcão! - Falou o atendente, já com um revólver em mãos.
- Pra que tirar essa arma? Eu só quero um pouco... quero um pouco de respeito!

Não se pode saber se o homem iria jogar a garrafa à sua frente, ou se iria parti-la na cabeça do atendente, quando ele movimentou rapidamente o seu braço um tiro ecoou no recinto, e o homem caiu para trás sem vida, com a marca do tiro no peito.
Sangue, gritos horrorizados, medo, pessoas desesperadas.
Quando chegaram os policiais foram ouvidos depoimentos de várias pessoas, e concluído que se tratava mesmo de um caso de legítima defesa; porém, pelas roupas formais e olhares frios dos homens que vieram buscar o corpo do tal Henry - sua identidade foi descoberta pela polícia - esta estória estava longe de acabar.

*Nota: "Márcio" é uma estória seriada cronologicamente escrita como um conjunto de curtas-metragens, é o primeiro escrito do Divagações que não é puramente literário; e, para se ter boa idéia do que foi imaginado para a estória, o melhor é ler como se você, leitor, estivesse vendo um filme, um filme fragmentado, e este fosse o seu roteiro.

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sexta-feira, 25 de julho de 2008

Eis que olhei para homens tristes.

Eis que naquele momento olhei para homens tristes.
Em meus farrapos de fracasso quis amá-los,
amá-los como se amam aqueles que nos são de sangue
porque de sangue e sangue agora eram de coração.

Vi então pessoas felizes,
de ódio sincero e grosseiro quis amarrá-las aos carros em movimento,
vê-las sofrendo em agonia obituária,
ver arreganhar-lhas o grito nas gargantas vis que compunham aqueles corpos,
corpos de débeis.

Eis que vi pessoas amando, e elas me trouxeram aquele sentimento,
quase de piedade.
Vi-as andando e quis colocá-las em grandes mostradores, vendo seus amores as traindo,
as destruindo com palavras,
vendo tudo decair em suas frentes como havia decaído em minha.

Mirei uma moça abatida, que andava como corpo sem alma.
Quis segurá-la pelos braços e carregá-la comigo,
nessa dança de monstros trajados de gente,
nesse bailar repetitivo e destruidor, que os que pouco o conhecem chamam de vida.

Olhei então à beira do horizonte, e vi uma menina de rosto inocente.
Não a haviam pegado! Os monstros não a haviam achado!
Quis tomá-la em um abraço e segurá-la para sempre,
salvá-la daquela dança infernal.

"Por que também essa criança está aqui?
Ela não merece, ninguém merece! Mas ela, não é certo!"
Gritos de minha voz rouca, daquele pigarro sujo de fumante, ecoaram.

Em meio aos gritos levitei de braços abertos daquele jogo doentio.
Vi ganchos negros surgirem, perfurarem aos poucos e estraçalharem o meu corpo.
Em meio à dor, em meio a ver ossos estalando,
entranhas voando para todos os lados.

Cerrei meu punho até me voarem as falanges,
girei meus olhos para todos os lados até me saírem os globos.
E sorri,
sorri até meu rosto estar em pedaços.

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sexta-feira, 11 de julho de 2008

Dorme agora. É só o vento lá fora.*

“Olhos claros como o brilho da lua”.
...
“Mãos suaves cujo toque possui uma magia inexplicável”.
...
“Bochechas vermelhas que suaves se tornam pelo beijo enamorado”.

Logo que terminara o seu poema o garoto levanta-se em um salto e começa a andar. Havia um “quê” de conhecido naquelas frases delicadas, algo como um breve dejà vú.

Mãos abanam um cumprimento rápido à moça conhecida, ao passar por uma casa de muros verde-lima. Mais pessoas cumprimentadas e mais sorrisos abertos em direção ao garoto. Algo estava estranho naqueles sorrisos.

O garoto apressa o passo para chegar logo à casa de sua amada, entregar o tal poema, escutando respirações ofegantes de si.

Mais um rosto conhecido a ser cumprimentado, mais um “olá” com o famoso gesto de mão; o menino agora nota o estranho nos sorrisos, são sorrisos inertes, quase débeis.

Mais respirações ofegantes. Queria chegar rápido à sua menina, ver o sorriso recebido, o mais gratificante de todos os prêmios.

“Um momento que lembrarei para sempre. Essa rua, essas palavras”. Pensa o garoto. "Para sempre".

Seus olhos miram suas mãos à procura da carta a ser entregue. Desvanecera! Onde estaria?

Olhos rápidos, aparentando loucura, cruzam todos os lados, não se acham cartas, só branco, nada mais que branco.

Respiração ofegante se torna mais e mais alta. Não estava mais a correr, não via mais a sua direção ou a rua.

Som de choro breve e palavras distantes: “É um mal terrível, porém não há nada a fazermos”.

Algo não estava certo, algo não se encaixava.

Boca aberta e gosto de pílulas pela garganta.

“Basta, agora basta. Durma um pouco”.

O garoto atemporal queria saber o que estava acontecendo. Queria saber para onde teria ido seu poema ou seus conhecidos, queria saber por que suas mãos estavam tão secas e fracas, mas algo o impedia de pensar, algo o estava cansando.

“Hora de dormir”.

Ele queria entender tudo, tudo o que estava passando, mas estava cansado. Precisava de algum tempo de sono, somente algum tempo de sono. E tudo faria sentido. Só algum tempo de sono...

* Legião Urbana - Pais e Filhos.
**Nota: Para quem não entendeu nada, mas nada mesmo deste conto, ofereço uma interpretação nos comentários do mesmo.

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