-Quarenta e seis?
-Sim... E você, setenta e dois?
-Sim. - Responde, e brevemente olha uma foto em sua mão. Levanta os olhos à quarenta e seis de um jeito frio, com uma expressão de "entrega errada" no rosto.
-Você não parecia ter essas sardas na sua ficha. E seu cabelo parecia mais curto.
-É uma foto velha, você quer cancelar?
-Não, dá pro gasto.
Um olhar seco, porém afirmativo, e a resposta:
-Você também.
Em alguns minutos os dois desconhecidos tiram as roupas um defronte o outro, com breves olhares de fiscalização.
Após o coito a ligação foi feita: Olhares satisfeitos cruzam o ambiente, mãos sujas da mais humana das atividades se tocam.
-Foi melhor que meu último. - Diz setenta e dois.
-Ah, foi como sempre para mim.
E então há aquele momento especial, aquele sorriso misterioso, impagável. Os dois, homem e mulher, entraram em sintonia; para tanto não precisaram de diálogos fúteis ou eventos sociais. Tampouco os dois precisaram se entender, ou se complementar perante a sociedade ou perante seus conhecidos.
Aquele sorriso é tudo. Conexão feita dá início à segunda fase, infinitamente mais importante. Ambos deitados e nus, e Setenta e dois começa falando sobre o estresse de sua ocupação, sobre como tem medo de se tornar inútil. Conversa vai e vem e logo estão e falar do inacabável desespero humano, do medo da morte, da insignificância e da ignorância.
Horas fluem naquela conversa maravilhosa. Segredos indizíveis, vergonhas desumanas, mágoas avassaladoras e vontades imorais são colocados para fora como um processo mútuo de limpeza.
Acabado o desespero o silêncio traz a única - e breve - tristeza do evento: este acabara. Ao fim não se reserva beijo, abraço ou carinho, somente a gratidão e a certeza de que jamais se reencontrarão.
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4 comentários:
cPra que complicar? Por que exigir mais, se nossa natureza animalesca já nos dá o que interessa? Pra que questionar, entender, explicar? Que merda é ser tão racional!
hahahha
interessante!
Horripilantemente perfeito é a forma como foi abordada a fragilidade humanda. Admirável esta como base do corportamente de todos. Física ou psicológica, tal fragilidade nos garante os altos e baixos durante a jornada.Emoções? com certeza.
Incrível como a solidão em meio a multidão leva duas pessoas a se encontrarem aleatoriamente para descarregar todos seus conflitos internos - podendo abandoná-los com o mesmo "tchau".
Mais insensato ainda é apoderar-se do desejo de prazer carnal como uma desculpa, levar o sexo como mera formalidade, quebrar a barreira do "tabu" para um objetivo simples, mas mais subjulgado que o próprio ato.
Fragilidade...
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