segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Sentir - Primeira Parte.

Sentir - Segunda Parte.

- De todos eles, você se identificou com a vampira, por quê?
Ele esperava esta pergunta, realmente não era uma revelação comum sua afinidade com a personagem feminina. Ao invés de responder de imediato, olhou-a brevemente e levou seu copo à boca, pensando em o que diria.
Ele poderia, sim, falar sobre como se identificava com tal ser fictício pela forma com que, sob perigo quase físico, a personagem requisitava o pedido para sua entrada em uma residência humana antes de fazê-la. Se identificava por que, desde sempre, sentia a necessidade de ser chamado a entrar, não em casa de outrém, mas sim em seus íntimos, em falar seus sentimentos, em gozar da solone experiência de receber ou não a reciprocidade de seus desejos perante uma mulher.
Poderia discorrer sobre como sentia-se inseguro em relação a ela, especialmente. Sua oratória privilegiada o daria palavras para descrever sua forma própria de admirá-la.
Conseguia ver-se falando sobre como, de uns tempos para então, passou a ter seus cadernos de desenho monopolizados por círculos do azul amarronzado que eram os olhos dela. Como igualmente sua mente encontrava-se monopolizada por também seus sorrisos e suas formas, olhares e feições. Via-se dissertando sobre como seus dias já não eram mais presenciados no real, e sim em um local imaginário de sua mente em que ela estava sempre presente, e quando fechava os olhos para descansar-se era ela quem o visitava em seu sono.
Imaginava como explicaria a forma com que, tola e invariavelmente, ria ou ao menos sorria ansiosamente a qualquer palavra vindo da boca dela; de como os sorrisos dela eram os mais belos presentes que poderia receber em uma vida de condecorações e apreços. Como a mera visão de seus traços fazia com que o mundo de repente tornasse a cores; Como que, quando ela o olhava apreensiva, ele se sentia o mais importante dos homens.
Falaria sobre como, às vezes, tais olhares criavam pequenas – e breves – raízes de esperança em seu coração. Sobre como, nestes momentos, divagava sobre como seria beijar as costas das mãos dela até o alto de seus ombros, como seria dar pequenas mordidas nas laterais de sua maxilar; em como seria o toque de seu busto sobre as costas frias dele, e a sensação do toque dos lábios dela em seu torso e em seu pescoço. Falaria sobre como tais curtos momentos daquela crença estavam tornando-se mais comuns a cada dia, a ponto de darem a ele um gosto de viver nunca antes presenciado, causando-o desejos de dar “bom dia” a cachorros quando saía de casa; falaria sobre como levantava sorrisos pelos cantos de sua boca ao ver casais de mãos dadas, ou ao ver pequenos fragmentos quaisquer em sua rotina que o lembrassem dela.
Em verdade, ele poderia discorrer horas sobre a beleza que ela representava. Sobre como as letras que compunham “Laila” já não eram mais símbolos literários, e sim peças sublimes de um grito de guerra emanado com suavidade, que afastava com sucesso qualquer mal que o pudesse atingir. Sobre como aquela palavra representava a ele um universo de elementos de beleza e misticidade maravilhosos, que nele faziam despertar as mais íntimas alegrias humanas, indescritíveis de tão majestosas.
Poderia discorrer sobre tudo isso e muito mais, pois tais sentimentos já o eram verdade inquestionável, e naturais a ele como o pulsar de seu coração ou o alargar de seu peito ao respirar.
Seu copo já estava à mesa e a água que este continha já estava inerte. Ele não havia falado palavras quaisquer, só a olhava diretamente em seu rosto, com seu olhar passando além dela e além do cenário em que se encontravam, pousando um lugar em que ele teria, sim, a ousadia de proferir todas aquelas expressões que enfim, mal dariam noção de quanto era o seu fascínio por Laila.
Por fim respondeu outra resposta falsa qualquer, sobre desejos vampirescos ou coisa que o valha. Sentiu ódio por si mesmo, mas ódio não era um sentimento que encaixava em qualquer cenário em que ela estivesse presente, e logo sua ira tornou-se apenas arrependimento por não ter a audácia da qual desejava.

Laila veio a ouvir de sua boca aquelas palavras – ou o que restara delas – eventualmente, mas não sem antes o decorrer de intermináveis meses, tempo em que ele presenciou sua Laila em braços de outro, e em que ele mesmo dividiu seus lábios e seu corpo com outras que, a seu ver, mal passavam de transeuntes em sua vida até aquela que o fizesse sentir-se em um mundo a cores novamente. Por vezes chegou a acreditar que esta não precisasse ser Laila, por vezes acreditou em suas mentiras de que era indiferente em relação a ela. Por vezes apaixonou-se.
Além de tudo o que havia dispersado em sua mente para lhe falar, discursou também sobre a inspiração que ela o presenteava, para toda e qualquer obra e atitude que ele realizava, mesmo quando sob a custódia de outras moças. Bebia de sua fonte de inspiração como se bebe do leito da cachoeira que possui a melhor e mais pura das águas, com a naturalidade e a ansiosidade quase feroz de uma criatura de sede incontrolável, e profundo apreço pelo que lhe desce a garganta.
Veio-se a lembrar do dia em que finalmente abriu seu coração a ela por toda a sua vida. Os meses em que carregou o fascínio por aquela mulher foram penosamente passados com um véu de máscaras em seu rosto, fala e olhar, por vezes denso, por vezes em farrapos, quando já exaurida a força de impedir que o resto do mundo soubesse a intensidade de seus sentimentos e de seus anseios. Naquele dia que enfim chegou, como um viajante fadigado, deixou-se soltar aquele fardo que sob suas costas tanto pesava.

Continua.

Dedico este texto a Khaled Hosseini, com sua personagem Laila de A Cidade do Sol.
E também a todos os escritores, que como Hosseini faz com extrema qualidade, criam através de sua arte ricas descrições das emoções humanas.
E naturalmente a todas as Lailas, nossas quedas d’água de infinita inspiração.

© Todos os direitos reservados.

3 comentários:

Renata Rimanski disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Renata Rimanski disse...

Perfeito! perfeito...
Me encanto cada vez mais com seus contos, poemas e tudo que escreve...
Eu realmente fiquei feliz de te incentivar a escrever e você o fazer, pra mim sim os seus textos são inspiração...
Me lembrou um pouco o texto da lua da mel do Amanhecer,é realmente divino!
É falar do amor puro, platônico, aquele que guardamos e escondemos até de nos mesmos...
Eu é que queria saber escrever assim!rsrsrs...
Perfeito!

Unknown disse...

Maravilhoso Du! Cada dia você melhora mais :)
Sou sua fã!!